terça-feira, 22 de setembro de 2015

O DEUS QUE ADORAMOS



    Uma verdade religiosa só se dá quando é resultado de uma experiência subjetiva dentro de qualquer contexto religioso. Essa experiência religiosa deve ser dotada de uma verdade tão pessoal que apenas o ser experiente a compreende. Um instante de experiência vivido que apenas a pessoa pode se valer, não podendo este ser dividido com mais ninguém, a não ser servir como um parâmetro objetivo, como um alvo para outrem alcançar. Nesse contexto, devemos perceber que independente da nomenclatura, a função da religião é restabelecer a conexão do ser com o sagrado.
     Dentro das tradições iorubanas, Deus, o Criador de tudo, Senhor dos Senhores, é um ser tamanha elevação que, de maneira complexa, há uma rede labiríntica de acesso. Há algo de inacessível no criador de todos os seres, vendo de maneira externa à religião. Destarte, podemos perceber que a criação de entidade e seres, favorece a existência de agentes cooperadores da organização de todo o universo (Multiverso). Deus, ou Olódùmarè ou ainda Olórun, ou Olófin tem como agente os Orixás que, são responsáveis por toda a dinâmica da vida e suas mínimas estruturas.
     Assim, o Deus que cremos, acreditamos, adoramos e louvamos é o mesmo Deus de todas as outras religiões ou tradições, sem sofismas ou egocentrismo cultural, no que cerne a superioridade. É o mesmo Senhor, apenas chamado de nome diferente, louvado de maneira diferente das demais tradições. Oba N’la.
Em suma, percebe-se que o Orixá é a conexão do ser humano com a natureza e a pureza da Criação. Adoramos essas entidades que, abaixo da hierarquia Divina, nos banham de maternidade e paternidade, lições do bem viver, moral e ética, e alegrias.
     O que nos diferencia é que comemos, bebemos, abraçamos e tocamos nossos deuses, que se manifestam em nossos irmãos, de maneira a nos possibilitar a concretude da fé. E essa é a mágica da cultura africana, como um todo. A possibilidade. A visão. O tato, o toque. A lágrima e a satisfação de ver a fé em movimento, nos acalantando e segurando sempre que possível.




Tatto Barros

domingo, 30 de agosto de 2015

SOB UM OLHAR OBSERVADOR


     Há muito a visibilidade negra, apesar do preconceito iminente, vem sendo creditada na sociedade, de modo que o contato com as tradições vem crescendo. Isso é importante, faz-se cada vez mais necessário agregar a todos os indivíduos a riqueza e a cultura intrínseca à religiosidade ketu, jeje e Bantu.
     As tradições (de Ketu, de Angola ou Jeje) apesar de suas imensas diferenças possuem suas similaridades (Não querendo ser paradoxo, mas já o sendo). Dentro delas, o amor aos deuses se faz presente e são eles os representantes da Natureza e a manifestação dos sentimentos e sensações humanas. Ou melhor, que os seres humanos possuem. Afinal, por que não dizer que todo desejo de amor materno, de cuidar, de zelar, por exemplo, são sentimentos/atributos de Iemanjá? (Nome que, em iorubá, significa Mãe cujos filhos são peixes, ou simplesmente, Mãe dos Peixes). Ou ainda, como não dizê-lo que na sociedade bantu, Iemanjá possui suas similaridades com Mikaiá, e ainda, sob o mesmo ponto de vista, nas tradições Jeje, Azli.
     Obviamente, a mistura das tradições pode trazer suas compensações porém certamente, deletará a riqueza que cada uma pode apresentar, individualmente. Mas, quem determina o limite?
     Apenas na tradição Ketu, o Ritual Fúnebre (Axexê), invoca nas três línguas, fon/fongbé (Jeje), Bantu (Angola) e Iorubá (Ketu), cantigas para o advento da passagem. Apresentando sua característica, no Brasil, de juntar e mesmo reverenciar as demais nações. Entretanto como dito, afora toda reverência, a mistura das nações pode ser danosa para a riqueza e mesmo a fidelidade às tradições.
     A beleza do Candomblé está em apresentar para as pessoas, um deus que se encontra presente, que se preocupa, que abraça, acalanta e demonstra o amor de maneira física, como apenas esta tradição o pode fazer. Um deus que canta, dança, come e abraça. Evitando assim, toda a frieza que tradicionalmente, a sociedade nos impõe sobre a figura divina.
     Conhecer a Cultura dos Orixás é acima de tudo reconhecer a ligação que temos com os deuses e sentir de maneira física, espiritual e mentalmente toda conexão que temos com a Natureza e a parte dela em nós. Para isso, devemos identificar a fidelidade das diferentes casas às suas tradições. A mágica da religião se dá pela riqueza do conhecimento deixado pelos nossos Ancestrais que são chamados como testemunhas, cada vez que rezamos os Obis, Orobôs e Lobaças. Ora, se os chamamos, estamos os convidando para validar as lições aprendidas, para validar a fidelidade que temos ou tentamos ter a toda sabedoria deixada por eles a nós. Há que se ressaltar que cabe a cada família de Axé, buscar suas origens e ser fiel às suas matrizes, afinal, nossa religião não tem bíblia porém, um acervo muito maior em rezas, cantigas, preces e danças que deixam suas lições. Podemos viver todos os dias aprendendo estas lições e ainda assim, em uma vida seria impossível assimilar toda bagagem de conhecimento que o candomblé tem a nos ensinar.






TATTO BARROS 

quarta-feira, 15 de julho de 2015

QUESTÃO LINGUÍSTICA

As Baianas - Carybé


Segundo Vygotsky, um pensador pedagógico do início do século XX, o estabelecimento e a aquisição do conhecimento se dá de forma social, já que o homem é social por natureza, ou seja, se estabelece em comunhão. A vida religiosa dentro das Tradições de Ketu não foge à essa regra. A construção do eu e o papel a ser desempenhado dentro da comunidade se dá pela observação dos outros, na cópia das posturas e dizeres e assim, acontece o sucesso espiritual no agrado às Entidade louvadas e felicidade estabelecida por se tornar com o tempo modelo para aqueles que estão entrando na comunidade/religião.
O Sucesso espiritual acontece quando tecemos uma rede de conhecimento, em reverência àqueles que vieram antes de nós, sendo eles nossos mestres e exemplos. Toda essa gama de conhecimento está relacionada aos hábitos inerentes ao Candomblé Ketu, como a língua, a dança, as lendas (itan), vestimentas, posturas e etiquetas gerais.
A priori, o que observa-se com veemência ao entrarmos no ambiente religioso é a linguagem estabelecida, além das vestimentas diferenciadas. O Iorubá é a língua vigente, no qual se misturam palavras em português, como que soltas e  tatuadas na gramática religiosa. Um simples “- Oi” é respondido ou antecedido da expressão “- Motumbá” que logo se faz respondida por “- Motumbaxé , Motumbá”, criando um ambiente assim propicio para aquisição de uma segunda língua de maneira concomitante com os outros aspectos comportamentais referentes à religião.
Isso porque, todas as rezas e cânticos tradicionais se fazem nesse idioma, considerado sagrado e, logo, a forma pela qual os orixás se comunicarão ou mesmo ouvirão as súplicas e as adorações de seus fiéis. Com o tempo, o iniciante, Ìyàwó, vai desenvolvendo suas relações com a língua, por meio das cantigas e suas traduções, cujos mais velhos se deliciam em explicar e fazer o iniciado experienciar o néctar dos deuses em forma de conhecimento que é supervalorizado dentro das casas religiosas, afinal, conhecimento associado com tempo de iniciado significa posto, postura e sabedoria. Principalmente, para aqueles que souberam beber da fonte de seus mais velhos e com muita educação e respeito (rumbê), ouvir e assimilar toda a carga de informações que serão relevantes no futuro e, como uma corrente, passadas para os mais novos, não deixando a tradição morrer. Afinal, o candomblé não tem um livro sagrado que fomenta e regulamenta o rito. As leis e tradições são passadas de forma oral. O que cria ainda mais a mágica do segredo. E, é por isso que buscar informações na internet e comunidades virtuais, no afã de aprender ‘axé’ é o mesmo que buscar pães no hospital. Candomblé se aprende com presença, aliança, dedicação e merecimento.



ÈDÈ YORÙBÁ


O idioma Iorubá é tradicional, hoje, em algumas regiões da Nigéria, falado também em alguns locais subsaarianos, também Benin e Togo, e pelos religiosos de tradição Ketu/lucumi. Idioma tonal e apresentado no mesmo sistema que o português e o inglês, no tocante à gramática, o sistema SVO (Sujeito- Verbo – Objeto).

Possui as mesmas letras do alfabeto português, excetuando, C, Q, V, X e Z.  Com acréscimo das letras Gb (som de B, com estalo), E (som de É aberto), O (Som Ó aberto), S (som de X, CH).



A importância do idioma é tamanha, visto que, é por meio da boca que reza que as entidades são invocadas, que os Deuses dançam e que toda a religião se faz, a boca que reza é sagrada, portanto, aquele que porta a palavra deve ser tratado e, o é, com muito respeito e esmero. Ignorar a importância de estudar e se dedicar ao aprendizado do idioma é o mesmo que abdicar da compreensão de fazer o que faz e aprender o que faz e porque faz. 

Uma vez, um homem muito sábio me disse: "- Se não faz sentido, está errado. Candomblé tem que fazer sentido, menino!" 
Hoje eu digo a ele: A benção Pai!







 TATTO BARROS

segunda-feira, 8 de junho de 2015

A VIDA RELIGIOSA



     Talvez, o que há de diferente nas religiões afro brasileiras, em comparação com as famosas e conhecidas religiões do mundo, seja o resgate de si mesmo, ao qual cada um está exposto, a introspecção e o desejo suntuoso pelo bem-estar e estar-bem na vida física. Não há uma busca opulenta pelo outro mundo, pela pós-vida, os acontecimentos buscados são para agora, são necessidades imediatas, nesta existência, pois, ela encerra em si mesma toda glória ou esquecimento.
     A glória se dá pela memória dos que ficam, quando os feitos daqueles que já se foram são mais que considerados pela sociedade vigente. Assim, toda vez que for necessário louvar/saudar determinado orixá, também será feito pela invocação daqueles que a este foram iniciadas e, partiram para outro estágio da vida. Além do corpo físico.
     Está lembrança memorável se dará pela invocação do nome religioso que cada um angaria quando é iniciado nos "mistérios do mariô" (Màrìwò). Nas rezas do obi, por exemplo, onde os ancestrais são chamados para ouvir e mesmo inferir e transmitir a mensagem dos deuses. Os ancestrais louvados e chamados são as pessoas que, para o invocador, se fazem importantes, já que construíram um legado e foram para este, mais que professores.
     Já o esquecimento se dará para aqueles que não construíram um legado, não buscaram o enaltecimento do nome, da cultura e nada cultivaram ao outro, de jeito que não serão lembradas por qualquer ato. Ou mesmo se dará para aqueles que construíram suas vidas em caminhos falaciosos. Caminhos estes que se construíram na vergonha da falta de caráter e da mentira. 
     Obviamente, há lados bons e ruins da propagação da fé iorubana, principalmente. Visto que, a tradição jeje (djedje), por exemplo, conseguiu se manter mais fiel às origens do que as demais nações (ketu e angola) cuja propagação construiu a fama, isso porque, toda a expansão 'descontrolada', produziu casas religiosas que são afastadas inclusive ideologicamente de suas matrizes. Nas quais, o culto se perdeu, as tradições se perderam, a cultura se perdeu e, logo a religião se diferencia, de modo danoso para aqueles que buscam angariar o conhecimento e construir a sabedoria afrorreligiosa. 
      Para aqueles que buscam o vestíbulo às religiões africanas, há que se considerar o quão unidas estas se fazem com suas matrizes, que seja, por exemplo, o Axé Oxumarê, Axé Pilão de Prata, o Ilê Axé Opô Afonjá, o Axé Casa Branca ou ainda, o Axé Gantois. Isso porque, a religião estabelece vínculos com os ancestrais e apenas com esse vínculo estabelecido o conhecimento virá. O tempo vivido de religião implica em construção e lapidação da sabedoria, já que por meio da vivência que o conhecimento é transmitido.
      Há todo um sentimento de reserva e segredo nas tradições, devido aos processos históricos aos quais o povo negro foi submetido no decorrer da construção social e suas modificaçoes. Assim, apenas a fidelidade, confiança, tempo, estabelecimento de vínculos darão segurança para que os mestres ensinem os aprendizes.  Por fim, se construirá o laço familiar inerente à religião, com país, mães, filhos, sobrinhos de fé. Cuja hierarquia banha e protege os seus. A palavra de ordem para alcançar os degraus da sabedoria é dedicação, associada com merecimento.




Tatto Barros

quinta-feira, 4 de junho de 2015

RITUAL E SACRIFÍCIO




      Este blog já abordou o assunto "Sacrifício" mas, Mãe Stella de Oxóssi (Sacerdotisa do Ilê Axé Opô Afonjá) escreveu um artigo para o Jornal "A Tarde" de Salvador, como o faz quinzenalmente, cuja a riqueza é difícil de ignorar. Segue este Texto, para apreciação e enriquecimento cultural e religioso.
 
 
 
      "Este é o último artigo que comenta sobre o “corpo religioso” do candomblé, da maneira como ele é professado no terreiro/templo Ilê Axé Opô Afonjá, onde fui iniciada e me tornei iyalorixá. Já foram feitas observações sobre cosmogonia – origem do mundo segundo o povo yorubá; liturgia – cerimônias abertas ao público; dogmas – verdades reveladas pelos orixás, que são aceitas usando-se o critério da fé. Hoje o tema é ritual: cerimônias que se baseiam em mitos que foram sendo transmitidos pelos ancestrais. Nos rituais revivemos passagens importantes dos orixás aqui na Terra e, assim, conectamo-nos com o comportamento deles. Os rituais, através dos mitos, ensinam para nós os comportamentos que devem ser seguidos e os que devem ser evitados. Muitos desses rituais são repetidos em épocas específicas, pois têm que estar em conexão com os ciclos da natureza. É de fundamental importância que os sacerdotes busquem e adquiram esse conhecimento, pois só assim os rituais alcançam todo seu potencial.
      A grande polêmica que fazem com a religião dos orixás é o fato de em alguns de seus rituais animais serem sacrificados. Uma prática que existe desde quando o homem precisa alimentar-se. Sempre foram realizados por muitas religiões, mas que aos poucos foram deixando de existir em algumas. A pergunta é, então, por que o candomblé ainda faz o que, para muitos, é considerado uma barbaridade?
      A resposta é simples: essa religião tem uma profunda relação com o planeta Terra, tanto que suas danças são feitas com os pés totalmente plantados no chão, diferente do balé, que parece demonstrar que os bailarinos, dançando nas pontas dos pés, desejam alcançar o céu. Essa ligação com a terra não poderia excluir a necessidade que o homem tem de se alimentar para sobreviver. Oferecemos aos deuses tudo aquilo que nos mantém vivos e alegres: alimentos, flores, perfumes, água limpa e fresca. Tranquilizo os leitores dizendo que no dia em que os homens deixarem de ter na mesa galinha, galo, carneiro, porco, boi… naturalmente esses animais deixarão de ser ofertados aos deuses. Se um dia o sacrifício humano existiu foi porque as tribos se alimentavam de seus semelhantes. Se a desculpa para crítica de sacrifício de animais se deve ao fato de eles serem seres vivos, gostaria de lembrar que laranja, alface, couve também são seres vivos.
      Afinal, quando arrancamos uma raiz de inhame para que ela faça parte da nossa farta mesa de café da manhã, nem lembramos que sacrificamos um ser vivo. Neste caso é para nos servir de alimento, e quando arrancamos uma flor pelo simples prazer de curtir sua beleza? Gostaria, apenas, que as pessoas que criticam os nossos rituais refletissem sobre o que foi dito anteriormente, com o coração e a mente aber ta, e chegassem às suas próprias conclusões. Não é nosso interesse forçar alguém a crer em nossas verdades, mas é nossa obrigação fornecer subsídios para ajudar as pessoas a ampliarem o conhecimento de suas mentes, a fim de que seus corações possam ficar cada vez mais livres de preconceitos, o que faz com que eles se tornem mais purificados.
       Caso tudo o que falei ainda não tenha servido para que o sacrifício de animais no candomblé possa ser compreendido, quero lembrar que os animais de que o povo se alimenta no seu dia a dia são mortos em série, de maneira cruel, nos abatedouros. Os nossos animais são reverenciados desde que são escolhidos nas feiras livres, até o momento em que são oferecidos aos orixás, quando cobrimos seus olhos com folhas específicas de calma e cantamos a fim de diminuir o estresse que eles possam estar sentindo. Além disso, eles não são animais quaisquer, são escolhidos aqueles que o sacerdote consagrado para esta função percebe que já estão no momento de passar para outro estágio evolutivo. Não matamos o animal, damos a ele um novo nascimento, por isso cantamos: Bi ewe yeje para lala ie, Ògún pere pa = Demos-lhes um novo nascimento, você resistiu à prova, ultrapassou seguramente privações e sofrimentos, você não está morto, está vivo. Somente Ogun mata."
 
 
 
  MÃE STELLA 
 
 
 

terça-feira, 19 de maio de 2015

A DANÇA E A IDENTIDADE



      A mágica da tradição iorubana se dá já no primeiro contato com a religião, quando a música e a dança cumprem seu papel extansiante de elevar o ser humano a um outro patamar de consciência e percepção. 

" Mostrem-me como dança um povo e eu lhes direi se sua civilização está doente ou tem saúde" (Confúcio)

      A dança e a música são características fundamentais e basilares da tradição afro-brasileira, as orações, manifestações, personalidades são todas mostradas por meio dos gestos cadenciados construindo os fundamentos da religião. Segundo o Antropólogo Bourcier (2006), há registros históricos que comprovam a presença da dança ritual na vida do homem por pelo menos 14.000 anos. Sendo essa, o meio pelo qual ele se expressa, se comunica, se liga com a natureza e o espaço ao seu redor. Portanto, de importância sem igual o seu papel, principalmente aliado à religião. Numa relação música-dança, se estabelece a conexão homem-orixá, que o levará à uma possessão, cuja beleza e magnitude encanta a todos os presentes nas festas religiosas.
   

        IDENTIDADE, para o conceito antropológico, significa a manifestação de um mundo particular em que o eu está associado, tendo ligações comuns com o meio. Ou ainda, é o reconhecimento em que o individuo é próprio, conjunto de diversos carácteres que diferenciam e particularizam o individuo. A CULTURA NEGRA, no Brasil, passou por gigantes dificuldades e crescente preconceito, o que dificulta a sua aceitação no meio social extra-afrorreligioso, fazendo com que percebamos que as religiões negra não sejam aceitas como 'dignas' para os padrões cristãos vigentes na sociedade, ou mesmo valores descendentes do pensamento ultra-cristão dos séculos de outrora, como a não aceitação da alma do negro, ou ainda, o negro como objeto de posse.  Porém, ainda que submisso socialmente, a rica cultura africana se misturou intensamente à branca, as vezes, não possibilitando o destrinchar das misturas, indicando a grandiosidade das tradições. Por exemplo, a comida, a dança, os vocábulos, dentre outras. Mesmo que embranquecidas todas essas características pertinentes aos negros se fizeram e se fazem presentes na brasilidade.
        A música e a dança são, em suma, partes integrantes da religiosidade negra. Os movimentos, o modo como se coloca o corpo, a música, a intensidade ou mesmo o volume desta tem representações específicas onde o detalhe constrói a riqueza. As orações são entoadas em formas de cantigas, onde as tradições se fazem, de modo que a cultura e as lições mitológicas que explicam a ritualística. Cada cantiga é composta por melodias específicas que se repetem de acordo com o objetivo de cada uma. Por exemplo, o toque/melodia "Oiê" se faz, sempre para saudar cargos religiosos, os religiosos, as funções religiosas, exaltar os orixás, solicitar bênçãos e sabedorias, dentre outras funções. Sempre se dá da mesma forma, intensidade e melodia variando apenas a letra que se canta. Aliado a esta reza está a dança, há uma dança específica para cada melodia entoada, em que os passos são pouco espaçados, mas os ombros e os braços são as partes do corpo em evidência, já que o pé pouco se move. E, às vezes, é tao complexa a aliança música-Dança que há diversos movimentos específicos para cada melodia, visto que a letra orienta os passos e coreografia. 
        A dança é parte fundamental da formação da identidade da pessoa que faz parte da religião, aprende-se com o tempo e dedicação, como forma de aquisição por merecimento e experiência. Assim, faz parte da formação da identidade religiosa, visto que, teoricamente, quanto mais velho dentro das tradições, quanto mais viveu dentro das tradições, mais sabedoria e conhecimento se agrega e, logo, mais se aprende a dançar. Numa cadência de conhecimento que é tão rico que parece não acabar o aprendizado.



POR QUE SE DANÇA?

 “O mundo está dentro de nossas casas, nas diferentes localidades. Nosso cotidiano é perpassado pelas coisas do mundo” Fonseca (2010, p. 129) 


        A dança é a identidade, nas palavras de Confúcio e Bourcier (já citados), a aplicação da dança e música está associada a manifestação da fé desde os tempos remotos. O candomblé, a umbanda, e outras religiões chamam automaticamente, no êxtase da fé, o movimento do corpo, que acompanhado pela música se faz a dança. Já que os movimentos ritmados representam a arte complexa da dança.
       Porém, a dança ritmada no candomblé está relacionada de maneira coreografada e isso se faz para ensinar o corpo as características de determinados orixás. E mesmo de determinados fundamentos religiosos. Xangô, o orixá do fogo, da justiça, senhor dos trovões, por exemplo, não poderia ter como dança representativa movimentos lentos, doces, sutis. Como o orixá é a manifestação do fenômeno da natureza, tal qual o trovão, o fogo, o vulcão, ele é ágil, brusco, rei, forte e guerreiro. Sua dança (Alujá) vai acontecer com braços arqueados, como que segurando dois machados (oxês), com movimentos rápidos e compassados, sem perder a vaidade que lhe é própria.
      Muitos questionam a necessidade de ensinar o yaô a dançar, visto que, ele já entra em possessão de orixá, então acreditam que a dança deve se desenvolver automaticamente com o tempo. De fato, isso também ocorre, o processo de aprendizagem é constante, a coreografia se aprende vendo e fazendo. Mas, devemos lembrar que a dança é a manifestação do locus em que se vive. NÃO VIVEMOS NA ÁFRICA, portanto o movimento concreto próprio do povo africano e, logo, daquele orixá não se faz presente em nós. Aprendemos porque não possuímos a identidade própria do povo de origem. Por exemplo, aprendemos o Alujá, porque não possuímos as identidades, características e movimentos ritmados naturais do povo de Oyó (Terra de Xangô).
      De maneira geral, percebemos que a manifestação da fé se dá de maneira complexa para a tradição iorubana, mesmo a daomeana. Visto que, a formação constante da identidade e seu conjunto de características se lapidam com tempo e experiência com a música, a dança e a língua que são próprias da tradição de Ketu, de jeje ou de Angola. O movimento do corpo, o comportamento do corpo, o ritmo adquirido pelo corpo e a habilidade com a dança se faz com o tempo e a senilidade religiosa. IDADE É POSTO!



                                                                                                                                   TATTO BARROS

segunda-feira, 11 de maio de 2015

A INICIAÇÃO - Ligação entre o homem e o Orixá


(Carybé)

A religiosidade se faz de maneira diferente em cada ser humano. A diferença entre os religiosos do candomblé e os demais é que, para aqueles (os do candomblé), a conquista do Sagrado e das bênçãos divinas se dá a todos não pela religião ou pela crença, mas pelo caráter que banha cada cabeça. É partindo desse ponto de vista que, numa questão sociológica vemos a diferença entre estes religiosos, da tradição africana, e os religiosos da tradição cristã e branca, onde nesta o domínio, o sofrimento, a penitência e a necessidade de se findar historicamente esteve relacionada com a precisão de impor seus pensamentos espirituais e criar a teoria de que apenas por ela se dava a salvação.
Não é assim que ocorre no candomblé. Para o Povo de Santo, não nascemos amaldiçoados, não somos banhados pelo pecado, não há inferno e não há juízo final. Ainda para os descendentes iorubanos não há demônio, lúcifer, diabo ou qualquer coisa afim. Dentro da tradição da cosmogonia iorubana, percebe-se que a escolha entre o certo e o errado, cabe a cada um, em sua individualidade e subjetividade, conceituada como Ori, não havendo influências de um ser superpoderoso e inimigo de Deus.

Assim, a tradição se faz.


INICIAÇÃO AO ORIXÁ

Popularmente chamado de Fazer o Santo, por isso a denominação povo de santo, a iniciação é pura manifestação da vontade de uma pessoa que conheceu a religião e ali encontrou seu espaço e sua necessidade de prática da fé. Quando conversamos com os iniciados, eles revelam que a feitura foi uma necessidade espiritual, outros revelam que foi por amor e há outros que revelam estar cumprindo um destino.
A relação entre destino e a necessidade da realização da feitura é uma questão complexa de ser abordada pois, esta geralmente se faz por questões de caminhos de destino, em que cada pessoa, independente se estão ou não na religião, nasceu sobre a influência, a este caminho do destino dá-se o nome de Odú. Assim, num sistema quase que matemático, a primeira vista, para o leigo, a vida da pessoa está traçada e ali está escrita sua necessidade de cumprimento ou não para com a vida religiosa, seja esta onde for.
Aqueles que dizem que a feitura de santo está relacionada com a necessidade espiritual, foram as pessoas que conseguiram alcançar alguma benesse, por exemplo, saúde, quando se iniciaram para o Orixá. (Obs. Esta abordagem está bem ampla, não especifica, com o tempo detalharemos algumas coisas, que não devem ser desconsideradas) 


FUNDAMENTOS DA INICIAÇÃO ESPIRITUAL

Os fundamentos dos diferentes rituais são mais que conhecidos pela humanidade, em todos os tempos, antropólogos da atualidade afirmam categoricamente que tudo aquilo que permeia o ser humano e tem considerável importância, passa por rituais, ou melhor, implicam em rituais de passagem. Por exemplo, o nascimento, o primeiro banho, a primeira roupa, a formação universitária (com o evento da formatura, entrega de canudos, etc). Ou seja, uma sistematização para a marcação da importância de determinada situação.
Acontece que o ritual de iniciação, o vestibular da cultura nagô, está relacionado, de forma intensamente considerável com religar a pessoa, por diversas formas ao passado, com seus ancestrais, com a África, com os Orixás. É uma passagem que será um marco para aquilo que caberá ao iniciado fazer a todo instante de sua vida, reconexão com passado e com o interno. A expansão nesse caso, caberá por acontecer para trás e para dentro e o ápice se dá quando o neófito é capaz de perceber o porquê dessas ações.


PARA TRÁS E PARA DENTRO

“a maior parte das provas iniciáticas implicam de maneira mais ou menos transparente, uma morte ritual se seguiria uma ressureição ou novo nascimento. O momento central de toda a iniciação vem representado pela cerimônia que simboliza a morte do neófito e sua volta ao mundo dos vivos. Mas, o que volta a vida é um homem novo, assumindo um modo de ser distinto...” (Mircea Eliade. 1958, p.12).
Para entender o processo de iniciação das tradições iorubanas, precisamos a priori, resgatar os conceitos de Orixás. Estes são os Ancestrais Divinizados, que podem ser classificados em dois grandes grupos: Aqueles que viveram a condição humana e aqueles que nasceram divinizados. Portanto, quando se classifica a tradição como uma necessidade de resgate do passado, uma reconexão com aqueles que já estiveram aqui, se explica a necessidade constante do voltar e olhar para trás pois, ali se encontram as fontes de bênçãos e sabedorias para os crentes da religião afro-brasileira.
Por que para dentro? Simplesmente porque o processo ocorre por internalização física e emocional. De maneira complexa que a tradição e os segredos impeçam que seja abordado, ocorre a internalização do axé, palavra que em ioruba expressa, entre outras coisas, força. Quando ocorre a iniciação do neófito, o rito de passagem em que ele deixa de ser um abiã e passa a ser um Ìyàwó, este tem o dever de internalizar todas as lições e a se adaptar com algumas expressões da língua estrangeira que até então o era estranha. Aprende a rezar, aprende postura, aprende todas as regras que lhe são cabíveis para se tornar um bom iniciado, aprendendo com os seus erros e com o exemplo de seus irmãos mais velhos (Egbon).
                                                     


A VIDA DO ÌYÀWÓ  / A VIDA RELIGIOSA


                A palavra iorubana Ìyàwó tem como tradução a palavra Esposa, depois da feitura de suas obrigações religiosas caberá a este zelar pelo santo com o qual casou, aquele ao qual foi apresentado, aprendendo assim tudo que lhe for possível para cumprir  sua aliança.
                Há diversas críticas para serem apontadas às pessoas que fazem parte da religião hoje, porém estas são muito pequenas perto do brilho e da grandeza que a cultura negra tem a acrescentar no mundo. Infelizmente, hoje se perde muito com o silêncio dos mais antigos, o que é tremenda covardia e falta de amor para com a permanência das tradições. Em contrapartida, há aqueles que estão na religião mas, não fazem parte dela, o que significa que, são cruéis pois, suas presenças, em quaisquer que sejam as religiões são danosas. Isso porque, criam e vendem ilusões, sujam o nome das tradições com pseudo-sabedoria, deturbam dos preceitos e enojam os mais velhos, fazendo-os deixar de ensinar àqueles que amam a religião.
                Numa visão bem mais profunda, podemos dizer que o Candomblé não é apenas uma religião, mais do que isso é uma cultura, uma filosofia e uma tradição em que nos abençoamos e reconectamos com o sagrado. Os deuses nos abençoam com suas presenças, dançam e contam suas sagas e assim se faz a magnitude. A valorização do mais velho é mais que perceptível, já que nem na altura física destes, os mais jovens (não de idade civil, mas de idade religiosa) devem permanecer. Cabem a eles se prostrarem aos mais velhos em sinal de respeito, ainda com sinais de humildade e respeito às tradições cabe a eles se deitarem no chão (expressão conhecida como bater cabeça). Toda essa mágica se dá de maneira muito mais aprofundada e explicada, que ficaríamos páginas e páginas analisando.


Prox: Orixás, Ori, Odu!


 Ìwà (pèlé) nìkàn l’ó sòro o
Caráter (reto) é tudo que há!

OBS: Não sou douto em Iorubá, não falo o idioma, as palavras que pertencem a este são escritas da forma mais ‘aportuguesada’ possível para facilitar a leitura. Há blogs que ensinam o ioruba, a grafia coerente e tudo mais porém este não tem essa função!


TATTO BARROS

sexta-feira, 1 de maio de 2015

O SACRIFÍCIO: Entre a Religião e a Sociedade

                                                         (Pierre Verger, Salvador-BA - 1946- 1953)

     Não se pode exigir que as pessoas sejam capazes de enxergar esse momento como Sagrado e, como tal, digno de toda a proteção do Estado e da Humanidade. O sacrifício animal é olhado, principalmente para os cristãos, como algo relacionado às malignidades e a desumanidade, já que a vida ali é extraída, para eles, com objetivo apenas de alimentar um sagrado que não atinge a benignidade na sua visão. Ou seja, quando o Deus de Abraão pede é divino, quando o Orixá, deus africano pede, demoníaco. Mostrando assim, a anencefalia cultural vigente em nossa sociedade.
"Depois faça um altar para o Senhor, o seu Deus, no topo desta elevação. Ofereça o segundo novilho em holocausto com a madeira do poste sagrado que você irá cortar" (Juízes 6:26)
"Se não tiver recursos para oferecer uma ovelha, trará pela culpa do seu pecado duas rolinhas ou dois pombinhos ao Senhor: um como oferta pelo pecado e o outro como holo­causto. (Lev 5:7)
    
     Há, nas passagens bíblicas, seguidas pelos Judeus, Cristãos e mesmo pelos muçulmanos, que apontam para a necessidade do sacrifício, superado ou não pelos tempos. Mas, a visão dessas religiões diante do sacrifício em nada acrescentam para o Candomblé e religiões africanistas, que vieram muito antes da chamada organização religiosa em si. O sacrifício, palavra que remete a Sacro Ofício, trabalho sagrado, consiste na reparação e oferta à natureza de tudo aquilo que ela nos fornece. A estrutura teológica do candomblé e religiões anexas se dá de maneira muito mais complexa do que parece.
    
“(...) os Pretos divididos em Nações e com instrumentos próprios de cada huma danção(...)”
    Essa passagem consta numa carta de José da Cunha Grã Ataíde de Mello, o conde de Povollide, para o Rei de Portugal em 1780. Pode-se facilmente perceber que o povo negro tem suas divisões religiosas e complexidades que os diferenciam e juntam na mesma proporção e a dança os une. Em Luis Nicolau Parés (1960-70) se pode destacar também a preocupação do povo negro para com "sustentabilidade da vida neste mundo". Assim, a oferta à natureza cumpre seu papel, pois, cabe a ela o reequilíbrio e a reconexão dos seres presentes com o sagrado energético, os orixás são os símbolos prioritários das forças da natureza que se manifestam com danças e músicas. Sendo o alimento um dos laços estabelecidos com a humanidade pois, através deste nos mantemos vivos então, é por meio deste que o sagrado se faz em nossa existência.

PARA QUE O SACRIFÍCIO?
    
     A imolação dos animais, oblação, é feita no afã de energizar, dar vida à uma energia sobrenatural, objetivando fazê-la presente na terra. Em Os Nagô e a Morte, de Juana Elbein, lê-se que o sangue contem todos os elementos necessários para a manutenção da vida.
    A principal crítica da manutenção das ritualísticas está associada com a necessidade de, assim como os cristãos, abolir a prática por motivo de evolução social, porém vem à mente perguntas como:
- Já aboliu os alimentos de origem animal de sua mesa?
- Come Ovos? Usa peles ou Couro?
- Bebe leite? Come queijos?
- Vai em churrascarias? Come em qualquer restaurante?
- Frango? Peixe? Boi? Carnes Exóticas?
     Se a resposta para qualquer dos questionamentos acima for SIM. Falar em oposição ao sacrifício animal é pura Hipocrisia, mostrando mais uma vez aquilo que é digno do ser humano: O preconceito enraizado, enfaixado e maquiado contra o negro e suas tradições. Criticar a oblação enquanto está com o estômago cheio de comidas de origem animal é a mais completa falta de bom senso e intelectualidade que o humano pode atingir.
    Ainda assim, restarão perguntas que são eficientes caso as leis passem a ser vigor social, quando houver (Se houver!) proibição do Ofício Animal dentro das tradições africanas devido aos clamores sociais (dos cristãos e anexos). Haverá também o fechamento de empresas que ofertam/abastecem o mercado com carnes? Daí entram outros fatores, os econômicos, que doerão no bolso, mesmo daqueles que clamam pela Liberdade Animal.
"A filosofia do candomblé não é uma filosofia bárbara,e sim um pensamento sutil que ainda não foi decifrado"
(Bastide, 1978).
 
 
ANIMAIS e FATORES RELIGIOSOS
 
 
 
     Os animais que serão ofertados aos deuses devem, em suma, compor àqueles que são servidos às mesas. Porque nada dele deve ser dispensado, tudo aquilo que vem do animal deve ser ofertado à sociedade para o consumo: a pele, a carne, os ossos, etc. Uma vez que haja o desperdício se ofendem as leis sagradas da religião. É por isso que os animais em extinção, ou silvestres não devem ser sacrificados, uma vez que não compõe o paladar da comunidade ou se farão ausentes na natureza, o que também ofende o sagrado.
     A definição de partes sagradas e uso delas não devem ser aqui escritas, em respeito às tradições. Mas, a valorização da vida do animal se dá em todo o instante, não há uma animalização do culto, ou mesmo culto ao sofrimento do ser, em todo o momento a dignidade das vidas é tida como valor primeiro. Dará, espiritualmente, força para toda comunidade e isso será representado quando todos comerem a carne, matéria física e representativa do axé!
     Óbvio, que falar de sacrifício é uma questão complicada, há aqui milhares de fatores que deixei de apresentar, que mais para frente poderemos abordar.
 
 
 
"(...) O sacrifício de animais nos terreiros dá-se numa forma milenar de cultura que não separa o divino, o humano e o natural nem mesmo no sofrimento. No sacrifício há uma única pessoalidade em metamorfose e renascimento. Por estarem congregados numa unidade, o sacrifício é um momento especial de fusão de destinos e renascimentos em uma unidade simultaneamente animal, humana e divina. O sacrifício só ocorre na medida e quando não há a recusa das três partes que se entregam ao acontecimento cósmico. As acuradas sensibilidades desenvolvidas na religião para o cuidado do animal não podem ser substituídas por técnicas veterinárias, porque aquelas são mais antigas, sensíveis, mais sofisticadas e sobretudo, abertas a insondáveis dimensões cósmicas (...)"

José Carlos dos Anjos - Prof. UFRGS


 
 
    As palavras do Professor Universitário José Carlos dos Anjos, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, vem neste momento delicado de tentativas de aplicação de Leis contra os negros e suas tradições, abrilhantar a causa e estender à sociedade um manto de luz que aclara a mentalidade conturbada e escurecida da população, que ainda habita as cavernas de citadas por Platão. Ir contra a ritualística é ir contra milênios de tradição e alimentar o preconceito contra a cultura negra e suas tradições. Desrespeito histórico e antropológico.

TATTO BARROS

segunda-feira, 13 de abril de 2015

SUCESSÕES DE AXÉ III



     Apesar de este ser o terceiro texto de Sucessões, deveria compor uma segunda gama delas (as sucessões). Isso porque, após o falecimento de Iya Marcelina, sucessora oficial de Iya Nassô, suas duas filhas carnais disputaram o cargo da casa. Iya Maria Julia Figueiredo e Iya Maria Julia da Conceição, filhas de Iya Marcelina, disputaram o cargo da Cadeira da Casa. Porém, oficialmente o cargo ficou para a Iya Kekerê Maria Julia Figueiredo, então Iya Maria julia da Conceição se afasta da Casa Branca do Engenho Velho e funda o Ilê Iyá Omin axé Iya Massê, o terreiro do Gantois, em 1849. Talvez, a casa de Candomblé mais conhecida do Mundo, devido suas ações sociais e políticas. 



1. IYA MARIA JULIA DA CONCEIÇÃO

     Iyalorixá fundadora do Terreiro do Gantois. Irmã de Iya Maria Julia Figueiredo, sucessora de Iya Marcelina, no axé Casa Branca. Fundou o Gantois quando a irmã assumiu a cadeira do axé original.
       Iyalorixá era consagrada a Bayanni ('Baini') um santo santo que tem considerável grau de raridade, da familia de Xangô.
         Viveu seu cargo até sua morte em 1910. Vindo a coordenar temporariamente a casa, Pai Jacinto da Conceição.



2. IYA PULCHERIA MARIA DA CONCEIÇÃO


      Iya Pulcheria era filha de Iya Maria Julia da Conceição, ascende ao cargo em 1911*, com certas ressalvas, talvez pelo período de luto ou mesmo preparação para assumir o cargo, enquanto houve esse anexo religioso, Pai Jacinto da Conceição toma a frente de algumas coisas na casa.
      Essa Iyalorixá fez verdadeiras mudanças e ações frente a casa, fazendo seu nome em toda Salvador em pouquíssimo tempo, ganhando o respeito de todos os sacerdotes da Religião. Era consagrada ao Orixá Oxosse.
     Após sua morte em 1918, houveram algumas disputas filosóficas dentro da casa, pois, Iya Pulcheria não teve filhos, comprometendo as regras da descendência matrilinear da casa. Sendo selecionada então, sua sobrinha Iya Maria Gloria de Nazareth.



3. IYA MARIA GLORIA DE NAZARETH

    Iya Maria Gloria,  sobrinha de Iya Pulcheria, também conhecida por ser a mãe carnal de Mãe Menininha do Gantois, assumiu o terreiro após o falecimento da tia. Gerando assim, uma outra linhagem de sucessões dentro da mesma familia, mesmo sangue, da fundadora do candomblé no Brasil.
       Porém, esta vem a falecer antes mesmo que o período de luto da casa se acabe, devido a morte de mãe Pulcheria. Tendo ficado no comando da casa apenas no ano de 1918/1919. Com isso há, um período em que novamente a casa fica sem uma Iyalorixá a frente, sendo as pessoas de cargo a tomar conta do geral, esperando a manifestação do Astral para decidir a ilustríssima dona da Cadeira e do Sumo-Sacerdócio da religião. Que apenas em 1922 vem a se concretizar.



3. IYA MARIA ESCOLÁSTICA DA CONCEIÇÃO NAZARÉ

    Ao mencionar esse nome poucos estabelecem a conexão mas, se trata de nada menos que Mãe Menininha do Gantois, personagem de muitas músicas e rezas populares, senhora de infinita sabedoria de axé, com uma carga de conhecimento sem igual. Dona de uma capacidade política que poucos, ou mesmo ninguém, se iguala. Mãe Menininha era consagrada ao orixá Oxum, é uma das Iyalorixás mais veneradas, muito nem mencionam o seu nome com medo de desrespeitar sua figura, sacerdotisasuas tradições e seus filhos. Era a enciclopédia do candomblé, deixando depois esse epíteto para a Saudosa Mãe (Egbon) Cidália de Iroko. Que com a mãe aprendeu e em respeito a ela, muitos ensinou. Valorizando as tradições.
      Mãe menininha, após o falecimento de sua mãe carnal, recusou o papel de sacerdotisa da casa. Pois, não se sentia preparada e nunca manifestou esse desejo. Decorrido algum tempo com a ausência da Iyalorixá na casa, por decisão dos orixás e incitação de todos os "até então" irmãos, assume a posição e se torna uma das maiores sacerdotisas de todos os tempos. Porém, o mundo perde essa grande mulher, mãe e professora no ano de 1986, em agosto. Decorridos 64 anos de dedicação aos orixás.



4. IYA CLEUSA DA CONCEIÇÃO NAZARÉ

     Ou simplesmente Iya Cleusa de Millet, consagrada ao orixá Nanã, filha carnal de Mãe Menininha. Era uma mulher de muito estudo e dedicação às ciências, se formou em Medicina, se especializou em obstetrícia e após a morte de sua mãe, assumiu a cadeira do Gantois. Exercendo sacerdócio até o ano de 1997, quando veio a falecer.



5. IYA CARMEN DE OSOGYIAN

     Iya Carmem de Oxoguian é filha carnal de mãe Menininha, assumiu a cadeira quando a irmã, Iya Cleusa de Nanã, faleceu, em 1997. Decorrido o período de Luto.
     Iya Carmen sempre foi sinalizada como uma sucessora do axé, viveu dentro da casa de candomblé, e assim foi consagrada com a responsabilidade de ser a Iyalaxé até que assumiu a posição de sacerdotisa do ilê. É a atual Iyalorixá da casa mais prestigiada e respeitada do Brasil.




                                                     TATTOBARROS

        

quarta-feira, 1 de abril de 2015

SUCESSÕES DO AXÉ II



      O Ilê Axé Opô Afonjá é a casa de Ketu que foi fundada por Mãe Aninha, em 1910, depois de sua disputa à sucessão no Ilê Axé Iya Nassô Oká, conhecido como Casa Branca do Engenho Velho.  Esta casa de referência religiosa teve até hoje cinco Iyalorixás no comando, num sistema de escolha pelo Santo. E não por descendência cosanguinea propriamente dita. 
      Esta também é uma casa de referência cultural pois, sempre está citada em movimentos sociais na Bahia e mesmo no mundo. Sua atual Iyalorixá é, inclusive, apontada na academia brasileira de letras, Mãe Stella de Oxosse, uma mulher culta que trouxe muitas mudanças e atualizações, sem quebrar tradições para a casa que comanda. Vide: Matriarcalidade Religiosa.


1. MÃE ANINHA

     Funda o Ile Axé Opô Afonjá, após questões filosóficos religiosas na Casa Branca do Engenho Velho, desencadeada depois da morte de sua Iyalorisa Marcelina Obatossi. Mãe Senhora conta que Mãe Aninha foi iniciada ao Orixá Afonjá, depois da morte de Mãe Marcelina Obatossi, sendo então iniciada por Tia Teófila e Tio Joaquim do Banboxê. Era antes disso de uma nação chamada Grunci, com as suas próprias divindades, se iniciando depois para os Orixás do panteão yorubano (Afonjá/agodô). Seu período de regência foi da fundação da casa em 1910 até 1937, com sua morte.

2. MÃE BADA DE OXALÁ

       Já com idade avançada Mãe Bada dirige o Ilê Axé Opô Afonjá, enquanto os orixás escolhiam a próxima pessoa para sentar na cadeira.  Mãe Bada era um tipo de conselheira de Mãe Aninha, a pessoa em que mais havia cofiança para dirigir as questões litúrgicas no ilê, visto que sua sabedoria era muito grande e influência também. Mistura entre o iorubá e o português e tinha habilidades políticas e conhecimentos religiosos que permitiram que outros terreiros se reerguessem também com sua ajuda. Como o caso da Casa de Oxumarê, cujos descendentes chamam seu Orukó em rituais até hoje, em grande respeito à essa senhora que em pouco tempo deixa o Aiyê e parte para o Orun, depois de assumir a direção da casa. Sua regência compreende o período entre 1939 até 1941.


3. MÃE SENHORA

      Mãe Senhora é a Iyalorixá que a casa de Afonjá estava esperando. Inicia seu posto religioso em 1942 e finaliza sua vigília no ano de 1967, quando estava com seus 76 anos, quase todos dedicados aos orixás e o desenvolvimento da religião no Brasil. Uma das maiores Iyalorixá do Brasil que foi capaz de imprimir suas características na Casa Religiosa, características que sobrevivem até hoje.
       Por ser uma mulher de inteligência sem igual, desenvolveu suas habilidades politicas e fez grandes amizades influentes, que vão do Presidente da Republica vigente, Getulio Vargas, até Pierre Berger, um fotógrafo francês que se apaixonou pela cultura negra e escreveu sobre as tradicoes. Pierre Berger foi o mensageiro das famosas Cartas de Mãe Senhora que buscava um contato com a familia Real Religiosa na terra de origem dos Orixás (Nigéria e Benin).
     Mãe Senhora conquistou feitos e sabedoria (registrada) que deixou legado nas tradições iorubanas no Brasil. Mais para frente, este blog falará sobre os feitos e legado de uma das Maiores Iyalorixá, que ainda criança foi inciada para o Orixá Oxum. Honrando o posto de Mãe, de dona da Sabedoria e Política, característica muito comum das maiores Iyalorixás que o Brasil teve, as filhas de Oxum!


4. MÃE ONDINA/ MÃEZINHA

      Iyalorixá que assumiu o posto depois d morte de Mãe Senhora. Foi iniciada ao Orixá Oxalá pela própria mãe Aninha, fundadora do Axé. Se manteve pouco tempo na cadeira, veio a falecer em 1975, ou seja, com apenas 6 anos de regência, faleceu aos 59 anos.
      Antes de se tornar a Iyalorixá da casa vivia o cargo de Iya Kekerê, a primeira da Casa de Afonjá de Mãe Aninha. Pai Nezinho da Muritiba e o Babalaô Agenor de Miranda foram as pessoas, dentre outras, que a sentaram na cadeira do Axé. Porém, vinha sofrendo há tempos do coração, nas palavras de Mãe Stella e, em pouco tempo, faleceu.

5. MÃE STELLA DE OXOSSE

    Atual Iyalorixá da casa do Afonjá, a qual rederei varias homenagens no decorrer da existência deste blog. Mulher "de fibra", inteligente, autora de varias obras e grande dama do candomblé, respeitada e valorizada por todos, de um carisma sem igual.  Trouxe varias reformas necessárias ao candomblé deste axé, sem desrespeitar as tradições. Uma de suas mudanças está em ter homens dançando na roda da casa, quando anteriormente isso não acontecia.  O Ilê Axé Opô Afonjá não é uma casa que exclui os homens como se faz evidente no Gantois e Casa Branca.
       Ainda falaremos de alguns dos feitos de uma das maiores Iyalorixá do Candomblé.

                                                    TATTO BARROS



segunda-feira, 30 de março de 2015

SUCESSÕES DO AXÉ

        De uma religião nascida da fusão de conceitos e tradições africanas, na tentativa de criação de um núcleo familiar de axé, onde os negros que aqui viviam, e não gostariam de retornar, como foi o caso de Iya Marcelina Obatossi, houveram divergências nas questões de sucessões. Pelo menos no aspecto histórico e, essas divergências geraram outras casas, que numa abrangência de situações são oriundas do axé original: Ilê Axé Iya Nassô Oká.

        Original, no sentido de inicial não de pureza.

        Segue a linha de Sucessão da Casa Branca do Engenho Velho.



1. IYA NASSÔ OKÁ

        Sacerdotisa que deu início ao mítico Candomblé da Barroquinha e que fundou o Axé da casa Branca, que recebeu o nome em sua homenagem de: Ilê Axé Iya Nassô Oká. Essa princesa não retorna ao Brasil depois da fundação do Ilê axé Airá Intilé (candomblé da Barroquinha), que teve de ser reconfigurado em outro lugar, por questões políticas.

2. IYA MARCELINA OBATOSSI

       Sacerdotisa que fora iniciada por Iya Nassô, fundadora do Ilê Axé Iya Nassô Oká. Alguns históricos constam que Iya Marcelina possuia ligações cosanguíneas com Iya Nassô. Sua sucessora passa a ser  Mãe Maria Julia Figueiredo, que era a Iyalaxé do Axé, porém há uma disputa interna para elevação à cadeira da casa com Mãe Aninha. Essa disputa faz com que mãe Aninha funde o Ilê Axé Opô Afonjá.


3. MÃE MARIA JULIA FIGUEIREDO

       Uma mulher de fibra que participara de grandes movimentos políticos e sociais na Bahia. Membro da sociedade da Boa Morte, Iya de respeito na possível existência da Sociedade Gelede. Filha de Oxum. Alguns dados históricos dizem que exercia o cargo de Iya kekerê da casa na gestão de Mãe Marcelina.

4. MÃE URSULINA DE FIGUEIREDO

     Também conhecida como Mãe Sussu, foi trazida da África com sete anos de idade, à pedido de Iya Adetá, sacerdotisa de Osossiy, no afã de manter a linhagem do culto. Já veio ao Brasil iniciada nos cultos de Orixás.


5. TIA MASSI

    Mãe Maximiliana Maria da Conceição, iniciada ao Orixá Oxalá.


6. PAPAI OKÉ

   Mãe Maria Deolinda dos Santos, também iniciada para o Orixá Oxalá. Tinha por característica uma maternidade bondosa e atenciosa, sempre atenta aos problemas da casa, filhos e comunidade. o respeito era tamanho que as pessoas a chamavam de "papai Oké" em respeito ao seu Orixá.


7. MÃE MARIETA VITÓRIA CARDOSO

    Iyalorixá iniciada para Oxum, uma das mais expressivas historicamente. Sucedida por Mãe Tata.


8. MÃE ALTAMIRA CECÍLIA DOS SANTOS
   
     Iyalorixá iniciada para o Orixá Oxum, filha sanguínea da sexta Iyalorixá da Casa Branca, Mãe Maria Deolinda dos Santos.  Sua gestão tem como marca a ajuda/apoio da  Iya Kekerê Juliana da Silva Baraúna, conhecida como Mãe Teté de Oyá que funda sua casa de candomblé no Rio de Janeiro (veio a falecer em 2006). Também teve sua gestão apoiada por Mãe Nitinha de Oxum, que foi fundadora do Terreiro de Nossa Senhora das Candeias, em Miguel Couto (BA), Mãe Nitinha faleceu em 2008.




  

terça-feira, 17 de março de 2015

MATRIARCALIDADE RELIGIOSA




"E kunle o, e kunle  f’'obirin o. 
E obirin l’o bi wa. 
k’a t’obirin ni, e kunle
f’obirin o. E obirin l’o bi wa o, k’awa to d’enia."


"Prostre-se, Prostre-se para a Mulher.
A mulher nos colocou no mundo
Assim, dela se faz a humanidade,
A mulher é a inteligência da Terra.
Ajoelhe para ela!"


       Este pequeno trecho versado pertence ao Odu Ossá Meji, onde podemos perceber a importância da mulher e suas atribuições dentro dos padrões religiosos na africanidade. Óbvio que o homem tem o seu papel a ser desempenhado, por exemplo, culto de Egungun e os cuidados com os ancestrais masculinos (Essás/ Eguns); mas, todos os demais papéis cabem à mulher com a possibilidade ou não de haver a participação masculina.

      A própria cosmogonia iorubana fala da falha do papel masculino em fazer a Criação pedida pelo Deus Supremo (Olorun). Onde, no mito (Itan), Oxalá teria descido ao Aiyê (Terra física) para deixar o chão firme e possibilitar a Vida. Mas, falha ao cumprir sua missão, pois, no papel de Grande Senhor de Respeito, não agradou o Destino (odu) ou Esu (senhor das comunicações, à quem tudo deve ser dirigido, em primeira instância) o impediu de concretizar a missão dada pelo Pai Maior. Assim, coube a Odudua o cumprimento da tarefa. Ficando a mulher responsável pela criação da Terra e senhora da Criação e doação da vida. Óbvio que esse itan se faz de maneira muito mais complexa do que a forma que citei. (Vide: Igbadu: A cabaça da existência, um livro que fala das relações cosmogônicas da tradição iorubá).



O PODER DO FEMININO: QUESTÕES HISTÓRICAS


      Culturalmente, no final do século XVIII e início do século XIX, o Brasil passa por períodos de descobertas, de busca de uma identidade, que não a portuguesa. Assim, o processo de formação do Candomblé calha justamente com a necessidade de uma reconstrução de identidade do povo brasileiro. Portanto, para que a construção fosse feita, as Princesas e os babalaôs envolvidos no processo de descoberta e fundação do axé brasileiro necessitavam discutir assuntos como: Quem senta na cadeira? Essa expressão significa: quem chefiará a religião? Como será o pontificado, quem será o pontífice, o cargo mais alto e a referência?
   
       Na África, apesar da grande importância do papel da mulher, cabia ao homem a coordenação dos atos religiosos, o REI de determinada tribo, direcionava os cultos e, por vezes, ditava as regras. Cabia a mulher, porém, como mostram os estudos africanos, o transe e as noções de contato maior o sagrado pelo sagrado. Porém, aqui no Brasil esse processo se diferenciou, como já demonstrava acontecer em muitas aldeias africanas. As princesas instauram uma religião Matriarcal e Matrilinear, além de Matrifocal, como podemos observar até hoje no Ilê Axé Iya Nassô Oká e outros.

       Se o público de fiéis que engrossam as fileiras das instituições religiosas é majoritariamente feminino, como explicar que às mulheres ainda seja vetada a participação como ministras ordenadas na Igreja Católica e em um sem número de igrejas protestantes “clássicas” e pentecostais?
                                                                                           (ORTNER E WHITEHEAD, 1981, p. 16 apud SEGATO, 2000, p. 88)
      
      Na citação acima de Ortner e Whitener, podemos entender o porquê as mulheres assumem posições de destaque dentro das Tradições Africanas no Brasil. Foi por meio do sangue real nas veias das mulheres que a religião se fez presente aqui, o axé plantado aqui no Brasil foi irrigado pelas mãos femininas. Devemos então ressaltar que a vida vem do ventre delas, como o axé é físico, vivo e intenso, os itans e rezas mostram que foi do ventre da mulher negra que ele se fez presente. Historicamente, no Brasil, Vagner Gonçalves da Silva, em  sua obra Candomblé e Umbanda: Caminhos da devoção brasileira (1994), cita que outras razões que implicam na inversalidade do que ocorria na África estão na alforria feminina que se deu de maneira mais rápida, porém apesar da liberdade as mulheres negras continuaram empregadas domésticas, cozinheiras e lavadeiras, ou seja, com grande contato com o branco, necessitando para tanto, desenvolver habilidades políticas e dirigir seu povo e cultura, ao mesmo tempo. O domínio das situações políticas fez com que suas habilidades estivessem em evidência, deixando a mulher em posição de destaque, mesmo que submissa ainda à uma política conservadora e preconceituosa na Sociedade Branca.
     
     Estas mulheres podem circular livremente e fazer os mercados das cidades vizinhas ou relativamente afastadas. Como são geralmente boas comerciantes, tornam-se, em pouco tempo, mais ricas do que o respectivo marido e muitas vezes, amealham fortunas consideráveis. O que, no entanto, não dispensa este da obrigação de assegurar a subsistência das suas mulheres e filhos                                                                                                                                                                                                                      (VERGER, 1992, p. 100)

       Nas diversas obras de Verger ainda podemos destacar que outro motivo circunstancial para que a mulher emergisse na posição de poder é seu número elevado, haviam muito mais mulheres que homens livres e elas conquistavam consideráveis posições financeiras, numa sociedade em que tudo cooperava para que isso não acontecesse. Não surgiram assim homens de destaque, com poder e conhecimento. Mesmo, Baba Assiká e Baba Obitikô precisaram buscar conhecimentos das mulheres para que o Candomblé se fizesse no Brasil. Certamente, dois homens com papéis fundamentais no processo de formação da religião de Ketu.
   


A DANÇA, O FEMININO E O ENCANTO



       Na minha época, eu nunca vi homem dançando
(Iya Stella de Osossiy)

       A dança é parte integral da religião, não se trata de mito, ou mesmo de parte social. Mas, faz parte integral do que é, de fato,  Axé. No Ilê Axé Opô Afonja, homem nunca fez parte da Roda (onde o rito sagrado da dança acontece), foi Mãe Stella que os acrescentou nela, mostrando uma certa abertura para a participação masculina no ato sagrado.

"As danças constituem uma evocação de certos episódios da história dos deuses. São Fragmentos de mitos, e o mito deve ser representado ao mesmo tempo que falado para adquirir todo o poder evocador" 
(Batiste, 1978:22) 

        Obvimente, faz parte da integralidade da Iniciação para religião, aprender a dançar, cantar e rezar os atos religiosos, mesmo para o homem (Iyawo ou Ogã). Mas, parte da roda de santo, o homem se ausenta do meio do salão para que as mulheres se façam presentes. E apenas retorna ao Salão na Roda de Xangô, onde ocorrerá a "reza" que elevará todos ao transe/possessão. Ao abrir o espaço para os homens, mãe Stella quebra um tabu porém, atualiza, de maneira necessária, alguns conceitos religiosos.

          Tabu social também é considerar a dança uma questão masculina, um pensamento complicado para a sociedade ocidental e cristã que sempre atribuiu essa 'função' à mulher, desde os primórdios históricos, sendo a dança um caráter feminino. Somando essas questões com o extremo exercício feminino na religião, conseguimos perceber que  manipular o conhecimento da dança, para mulher, também significaria ter o conhecimento da religião em si. Já que, nas palavras de Batiste (1978) a dança guarda o registro das passagens do deuses louvados, bem como sua magística. 



MATRIARCAL, MATRIFOCAL, MATRILINEAR E MATRILOCAL


    
      Começando pelos conceitos, de maneira geral, podemos dizer que matriarcal é sociedade que possui matriarcalidade, ou seja, onde a mulher exerce o domínio social e econômico. Matrifocal, palavra que alavanca a importância do papel da mulher dentro da sociedade, assim, uma sociedade matrifocal é aquela em que a valorização é explícita e elaborada sobre o papel da mulher, a mulher assim, tem os recursos totais das decisões.

         Já a sociedade cujo poder é matrilinear deixa claro que, aquela que assume o poder é a mãe e na ausência desta, sua filha exerce o mesmo. Portanto, relação de poder onde somente a mãe é considerada. Matrilocal, etnologicamente, é a sociedade em que quando o casamento ocorre, o homem deve morar com a família da mulher e, integrar o grupo dela.

    Essas são as quatro palavras que resumem a religião iorubana tradicional em seu início no Brasil. Basta que pesquisemos as biografias e as sucessões da 'cadeira' de axé nas casas principais!


TATTO BARROS




      
        
SILVA, Vagner Gonçalves da. Candomblé e umbanda: caminhos da devoção brasileira. São Paulo: Ática, 1994.
VERGER, Pierre. A contribuição especial das mulheres ao candomblé do Brasil. In: Artigos. São Paulo: Corrupio, 1992.  
BATISTE, Reginaldo. Os candomblés de São Paulo: A velha magia da Metrópole nova. SP: EDUSP. 1991

Recomendação: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8132/tde-09082004-085333/pt-br.php  (DANÇA no Candomblé)

     
       





      




segunda-feira, 9 de março de 2015

A BARROQUINHA II

    

        
       Como vimos no texto anterior, a formação da Barroquinha se deu claramente pela união de três princesas: Iya Adetá, Iya Akalá e Iya Nassô que com Obatossi (Iya Marcelina) formaram o primeiro Terreiro de candomblé. O nome "terreiro" foi empregado porque expressa o local inicial em que os cultos eram realizados, arredores (terreno) da Igreja da Barroquinha. Como bem sabemos, "terreiro" é um sinônimo de "terreno", principalmente na região nordeste do Brasil.
    Algumas curiosidades ficam ressaltantes antes de entrarmos nos detalhes  da formação do candomblé. Segundo Iya Senhora, Iyalorisa do Ilê Axé Opô Afonjá em 1910, para o historiador Vivaldo da Costa Lima,  Iya Nassô teria um título de axé (algo como um cargo religioso) que era o de Iya Akalá, sendo portando apenas um segundo nome de Iya Nassô e não uma terceira pessoa na fundação do candomblé. Havia portanto duas princesas e Iya Marcelina.
       A junção das princesas ocorreu pelas idéias iniciais de dois babalawos: Baba Assiká e Bangboshê Obitikô. Segundo alguns dados históricos, Bangboshê Obitikô tinha como nome civil Rodolfo Martins de Andrade, era um traficante e comerciante de escravos, também era africano. Babá Assiká ou Axipá, para alguns estudiosos se trata, na verdade de ancestral divinizado (egun), sendo Assiká um egun de Odé ou Ogun, trazido nessa época por Bamboshê junto com os preceitos dos eguns: Aburô de Xangô, Kayodé de Odé e ainda, Ajadi, Adirô e Akessan (Esu do Mercado), lendo a obra de Pierre Verger é essa versão que temos. Ainda em outros conceitos históricos, talvez os mais prováveis, devido dados precisos dizem que Baba Assiká e Baba Obitikô, eram babalawos africanos que trouxeram o Opele Ifá para o Brasil e ainda, alguns escravos, no afã de formar uma sociedade religiosa com aqueles que aqui se estabeleceram, eram assim, altos oficiais do Culto de Osossiy (Oxosse/Odé). Em Juana Elbein e para o Antropólogo Renato Silveira, Baba Assiká teria sido o Orientador Espiritual de todos, inclusive de Banboshê Obitikô.
       Com a junção do conhecimento de todos os presentes, Babás e Iyas, Marcelina Obatossi com sua Iyalorixá fundam o primeio Ilê, na Barroquinha, onde mais tarde seriam expulsos pelas autoridades politicas e militares. Forçando a mudança destes para o Engenho Velho da Federação e a fundação de um outro ilê, que existe forte e resistente até os dias de hoje.
       Devemos considerar ainda que, segundo Verger, a mãe de Iya Nassô, foi uma escrava liberta/alforriada que retornou à África, deu à luz e sua filha vem ao Brasil no afã de trazer o "axé", incentivada pelos babalawos. Porém, sua chegada está relacionada também com a vinda da Familia Real Arô, que cultuava Osossiy em Ketu. Foram aprisionados pelos Daomeanos e trazidos pelos brancos ao Brasil. Entre os 200 (contagem superficial) escravos vindos, Otampê Ojarô se fez presente, recebeu o nome de Maria do Rosário Francisca Régis e foi uma das responsáveis pela criação do ILÊ AXÉ AIRÁ INTILÉ, nome religioso da casa de Candomblé da Barroquinha. Iya Otampê Ojarô, funda depois sua própria casa. O Terreiro do Alaketu, Ilê Axé Mariolajé. Os religiosos acreditam piamente que Iya Otampê Ojarô fora alforriada pelo próprio Oxumarê, em pessoa!
       Ainda na obra de Verger outro nome se faz presente. Iyalussô Danadana, uma descendente da familia de Ketu, que ajudou a introduzir aqui no Brasil o culto de Osossiy.  Por causa de todas essas famílias de Ketu e Arô o culto a Odé / Osossiy se faz o mais famoso no Brasil. Ainda que, quase extinto na Africa.


POR QUE O PRIMEIRO TERREIRO É DEDICADO AO ORISA AIRÁ?



       Iya Nassô era uma das pessoas mais ilustres da comunidade de Oyó na Africa, então a casa louvava o Orisa Sango, específico da Terra de Oyó e Airá, para alguns qualidade de Xangô, para outros orixá distinto, apesar de ter ligações. Assim, numa espécie de convenção a casa passa ter Airá como patrono.  Iya Nassô leva sua filha Iya Obatossi para África, no afã de buscar axés, minerais e vegetais que aqui não existiam. Quando Iya Obatossi retorna traz consigo mais pessoas ilustres, porém Iya Nassô não retorna mais. Então, depois de expulsos da Barroquinha. Vão fundar a casa de Candomblé: ILÊ AXÉ IYA NASSÔ OKÁ. Em homenagem à sua Iyalorixá. A Casa Branca do Engenho Velho. Que tem como Patrono Xangô e dono do chão, Oxosse.

Tatto Barros



Referências:

Silveira, Renato da. Candomblé da Barroquinha. Ed. Maianga, 2007
Cacciatore, Olga Gudolle. Dicionário de Cultos afro-brasileiros
Elbein, Juana. Os Nago e a Morte. Ed. Vozes, 2002