(Carybé)
A religiosidade se faz de maneira diferente em cada ser humano. A
diferença entre os religiosos do candomblé e os demais é que, para aqueles (os
do candomblé), a conquista do Sagrado e das bênçãos divinas se dá a todos não
pela religião ou pela crença, mas pelo caráter que banha cada cabeça. É partindo
desse ponto de vista que, numa questão sociológica vemos a diferença entre
estes religiosos, da tradição africana, e os religiosos da tradição cristã e
branca, onde nesta o domínio, o sofrimento, a penitência e a necessidade de se
findar historicamente esteve relacionada com a precisão de impor seus
pensamentos espirituais e criar a teoria de que apenas por ela se dava a
salvação.
Não é assim que ocorre no candomblé. Para o Povo de Santo, não nascemos amaldiçoados, não somos banhados pelo
pecado, não há inferno e não há juízo final. Ainda para os descendentes
iorubanos não há demônio, lúcifer, diabo ou qualquer coisa afim. Dentro da
tradição da cosmogonia iorubana, percebe-se que a escolha entre o certo e o
errado, cabe a cada um, em sua individualidade e subjetividade, conceituada
como Ori, não havendo influências de
um ser superpoderoso e inimigo de Deus.
Assim, a tradição se faz.
INICIAÇÃO AO ORIXÁ
Popularmente chamado de Fazer o
Santo, por isso a denominação povo de
santo, a iniciação é pura manifestação da vontade de uma pessoa que
conheceu a religião e ali encontrou seu espaço e sua necessidade de prática da
fé. Quando conversamos com os iniciados, eles revelam que a feitura foi uma necessidade espiritual,
outros revelam que foi por amor e há outros que revelam estar cumprindo um
destino.
A relação entre destino e a necessidade da realização da feitura é uma questão complexa de ser
abordada pois, esta geralmente se faz por questões de caminhos de destino, em que cada pessoa, independente se estão ou
não na religião, nasceu sobre a influência, a este caminho do destino dá-se o
nome de Odú. Assim, num sistema quase
que matemático, a primeira vista, para o leigo, a vida da pessoa está traçada e
ali está escrita sua necessidade de cumprimento ou não para com a vida
religiosa, seja esta onde for.
Aqueles que dizem que a feitura de santo está relacionada com a
necessidade espiritual, foram as pessoas que conseguiram alcançar alguma
benesse, por exemplo, saúde, quando
se iniciaram para o Orixá. (Obs. Esta abordagem está bem ampla, não especifica,
com o tempo detalharemos algumas coisas, que não devem ser desconsideradas)
FUNDAMENTOS DA INICIAÇÃO ESPIRITUAL
Os fundamentos dos diferentes rituais são mais que conhecidos pela
humanidade, em todos os tempos, antropólogos da atualidade afirmam
categoricamente que tudo aquilo que permeia o ser humano e tem considerável
importância, passa por rituais, ou melhor, implicam em rituais de passagem. Por
exemplo, o nascimento, o primeiro banho, a primeira roupa, a formação
universitária (com o evento da formatura, entrega de canudos, etc). Ou seja,
uma sistematização para a marcação da importância de determinada situação.
Acontece que o ritual de iniciação, o vestibular da cultura nagô, está
relacionado, de forma intensamente considerável com religar a pessoa, por
diversas formas ao passado, com seus ancestrais, com a África, com os Orixás. É
uma passagem que será um marco para aquilo que caberá ao iniciado fazer a todo
instante de sua vida, reconexão com passado e com o interno. A expansão nesse
caso, caberá por acontecer para trás e para dentro e o ápice se dá
quando o neófito é capaz de perceber o porquê dessas ações.
PARA TRÁS E PARA DENTRO
“a maior parte das provas iniciáticas implicam de maneira mais ou menos
transparente, uma morte ritual se seguiria uma ressureição ou novo nascimento.
O momento central de toda a iniciação vem representado pela cerimônia que
simboliza a morte do neófito e sua volta ao mundo dos vivos. Mas, o que volta a
vida é um homem novo, assumindo um modo de ser distinto...” (Mircea Eliade.
1958, p.12).
Para entender o processo de iniciação das tradições iorubanas, precisamos
a priori, resgatar os conceitos de Orixás. Estes são os Ancestrais Divinizados, que podem ser classificados em dois grandes
grupos: Aqueles que viveram a condição humana e aqueles que nasceram
divinizados. Portanto, quando se classifica a tradição como uma necessidade de
resgate do passado, uma reconexão com aqueles que já estiveram aqui, se explica
a necessidade constante do voltar e olhar
para trás pois, ali se encontram as fontes de bênçãos e sabedorias para os
crentes da religião afro-brasileira.
Por
que para dentro? Simplesmente porque o processo ocorre por internalização física e
emocional. De maneira complexa que a tradição e os segredos impeçam que seja
abordado, ocorre a internalização do axé,
palavra que em ioruba expressa, entre outras coisas, força. Quando ocorre a iniciação do neófito, o rito de passagem em
que ele deixa de ser um abiã e passa
a ser um Ìyàwó, este tem o dever de
internalizar todas as lições e a se adaptar com algumas expressões da língua
estrangeira que até então o era estranha. Aprende a rezar, aprende postura,
aprende todas as regras que lhe são cabíveis para se tornar um bom iniciado,
aprendendo com os seus erros e com o exemplo de seus irmãos mais velhos (Egbon).
A VIDA DO ÌYÀWÓ / A VIDA
RELIGIOSA
A palavra
iorubana Ìyàwó tem como tradução a palavra Esposa,
depois da feitura de suas obrigações religiosas caberá a este zelar pelo santo
com o qual casou, aquele ao qual foi apresentado, aprendendo assim tudo que lhe
for possível para cumprir sua aliança.
Há diversas
críticas para serem apontadas às pessoas que fazem parte da religião hoje,
porém estas são muito pequenas perto do brilho e da grandeza que a cultura
negra tem a acrescentar no mundo. Infelizmente, hoje se perde muito com o
silêncio dos mais antigos, o que é tremenda covardia e falta de amor para com a
permanência das tradições. Em contrapartida, há aqueles que estão na religião mas, não fazem parte dela,
o que significa que, são cruéis pois, suas presenças, em quaisquer que sejam as
religiões são danosas. Isso porque, criam e vendem ilusões, sujam o nome das
tradições com pseudo-sabedoria, deturbam dos preceitos e enojam os mais velhos,
fazendo-os deixar de ensinar àqueles que amam a religião.
Numa visão bem
mais profunda, podemos dizer que o Candomblé não é apenas uma religião, mais do
que isso é uma cultura, uma filosofia e uma tradição em que nos abençoamos e
reconectamos com o sagrado. Os deuses nos abençoam com suas presenças, dançam e
contam suas sagas e assim se faz a magnitude. A valorização do mais velho é
mais que perceptível, já que nem na altura física destes, os mais jovens (não
de idade civil, mas de idade religiosa) devem permanecer. Cabem a eles se
prostrarem aos mais velhos em sinal de respeito, ainda com sinais de humildade
e respeito às tradições cabe a eles se deitarem no chão (expressão conhecida
como bater cabeça). Toda essa mágica se dá de maneira muito mais aprofundada e
explicada, que ficaríamos páginas e páginas analisando.
Prox: Orixás, Ori, Odu!
Ìwà (pèlé) nìkàn l’ó sòro o
Caráter (reto) é tudo que há!
OBS: Não sou douto em Iorubá, não falo o idioma, as palavras que
pertencem a este são escritas da forma mais ‘aportuguesada’ possível para
facilitar a leitura. Há blogs que ensinam o ioruba, a grafia coerente e tudo
mais porém este não tem essa função!
TATTO BARROS