sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

MÃE ÁFRICA: Uma Breve Introdução


   Para, antes de tudo, entendermos o desenvolvimento das tradições africanas no Brasil, devemos lançar olhares sobre a vivência dos povos que foram trazidos para este país, na condição da escravidão. Para tanto, há a necessidade de entender, antropologicamente, historicamente e culturalmente os costumes (tradições) ali desenvolvidas há milênios.
          Para entender qualquer tradição "nova", aos nossos olhos, devemos, sobretudo, nos purificar das concepções pre-estabelecidas, pois, o sistema em que vivemos nunca foi e nunca será padrão de nada. A arrogância do ser humano formou as brutalidades com relação às supremacias de crenças e tradições, assim como castigou povos e dizimou populações. Isso tudo para defender seus princípios (ou psedo-principios), nem que fosse as custas de vidas e sangue!




A RELIGIÃO FAMILIAR


      Entendendo religião como um conjunto de crenças que, numa determinada estrutura, reconecta o ser humano ao Sagrado, uma origem espiritual, podemos considerar que esta se dava de maneira familiar (antes de 1500 DC), ou ainda de maneira coletiva em povoados e municípios. Assim, essas pessoas louvavam o Sagrado de maneira muito particular.
        A religião iorubá, exemplo, louvava em suas terras os Ancestrais Divinizados, pessoas que se tornaram deuses, aos quais rendiam homenagens e mesmo satisfações! Em termos gerais, chamaremos esses seres louvados de Orixás, mas essa definição é academicamente restrita.
       A cidade de Oshogbo é, exemplificando, uma cidade onde o Orixá Oxum é louvado anualmente em festivais que existem até os dias de hoje.






             A cidade Ondo, é o local onde Ogun é venerado e louvado pelos habitantes, ja a cidade de Oyó, Xangô é o centro de todas as atenções. Esses são orixas, mundialmente conhecidos, aqui no Brasil todas pessoas já ouviram um destes nomes pelo menos uma vez na vida. Isso quer dizer que, todas as pessoas que nascem nesses povoados aprendem sobre os Ancestrais que lhes pertencem, são a eles consagrados e pertencem a essa cadeia de união, que gera laço e troca de forças espirituais (Axé) que alimenta a saúde, longevidade, felicidade e prosperidade de cada um. A lingua, dialeto, é outro fator que diferencia esses povos, cada um tem costumes diferenciados, apesar de haver algumas unidades em seus mais básicos conceitos.



ENTENDENDO DEUS-PAI-CRIADOR


             As religiões africanas (iorubanas, fon, bantu) não são politeístas, apesar de muito isso demonstrar. Todos os adeptos, sempre foram monoteístas, pois o criador de toda a essência, a força motriz de tudo é chamada de ELEDUMARE (O Senhor dos Destinos) ou OLORUN (O Senhor dos Céus*). Sendo assim, encontra em si características similares com a visão dos cristãos, onde há um Principio Criador, que a tudo dá Ânimo e, também há os seus intercessores.
             A função dos Intercessores, seres abaixo do Criador, que dEle dependem, por suas determinações e Destinos, é estabelecer em nós a vontade, a vida e a fé.

            Assim, cada elemento e situação que o Criador faz acontecer, emprega um de seus filhos (criações primeiras, originais) no domínio. À Ogun, coube o domínio sobre as conquistas, também sobre o ferro, lutas, batalhas, guerras, agricultura**; à  Oxalá a criação do homem, o ar, a respiração, o sopro de vida, a pureza; Iemanjá o domínio das águas, senhora das cabeças e mãe da humanidade. Aqui estou sendo muito superficial, obviamente a complexidade é muito maior que qualquer dessas especificações.

              Em termos gerais, podemos dizer que, quando trazidos ao Brasil, as pessoas desses povoados se misturam e faz com que aconteça aqui um ecumenismo que não ocorria na África. As pessoas de diferentes povoados e diferentes Ancestrais passam a louvar o conjunto espiritual que unifica a todos. O Ancestral Divino de cada um será aqui, louvado por todos, por toda a comunidade, passando a ser Ancestral de todos os membros dessa sociedade. Criando assim, laços familiares (vínculos espirituais)





* OLORUN - Senhor do Orun. Orun, aqui traduzido como Céus, na verdade se trata de um Mundo Espiritual, paralelo ao nosso. Que corresponde ao nosso e, de certa forma, similar.


** AGRICULTURA, na verdade pertence a Okô mas, seu culto no Brasil é menos conhecido, o que vez com que Ogun se tornasse o senhor da Agricultura devido suas Passagens Mitológicas (Itans) com Okô.



OBS: Em breve, traçaremos reflexões bem mais profundas, navegaremos para além da superficialidade.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

QUESTÕES HISTÓRICAS (II)

PARTE II

Os jesuítas, que acabaram por assumir também as funções políticas da Coroa Portuguesa no Brasil, tinham o poder de “Deus” nas mãos, os cristãos tinham domínio sobre a vida e a morte do Negro, sendo senhores destes que, passavam por humilhações e torturas inimagináveis. Dá-se ai a grande importância da reparação social, pois fica explícito, historicamente, que o preconceito se respalda nas tradições brancas e cristãs que dominavam o mundo até o século XVIII e mantém considerável poder político e filosófico até hoje. 
Em outras palavras, durante séculos, as tradições dominantes ditam que, as culturas relacionadas aos negros (seres sem alma) são sobretudo demoníacas, trevosas, sem função dignificadora e, tudo que vem do negro passa ser uma hipérbole e mesmo substituição do que é ruim.
Palavras como: Denegrir, Ovelha Negra, Magia Negra, entre muitas outras, são parte cotidiana do vocabulário de muitos brasileiros que, por vezes, não se dão conta do risco e mesmo, intensidade que estas expressões podem gerar na sociedade. Inconscientemente, taxamos o que vem do negro como algo que não nos serve, não nos é bom ou mesmo totalmente rebaixado (malévolo, sem moral).
Afinal, por que tornar negro é ruim? Pois, esse é o significado da expressão denegrir, palavra que é utilizada numa denotação negativa. A observação de todas essas questões, de jogos dominação política e social, faz com que sejamos capazes de enxergar a brutalidade que o homem pode assumir e causar ao outro, em prol de um pensamento, seja ele qual for, embasado em tradições cujo objetivo seja dominar ou expandir. As vezes, a qualquer custo.  Nesse conjunto conseguimos, talvez, entender porque o negro até hoje, é visto socialmente como inferior, vítima de preconceitos, maior porcentagem de homicídio (em discrepância), ou mesmo, com relação a distribuição de riquezas. Questões que são óbvias e indiscutíveis.
Por esses e outros motivos, cotas sócio-raciais nada mais são do que reparação!
Por esses e outros motivos que, a lei 10.639/03* é mais que essencial! E deve ser aplicada!
Por esses e outros motivos, os seguidores de cultos africanos são taxados com piadas!
Por todos os motivos, os seguidores de quaisquer religiões devem ser Respeitados. Não apenas tolerados.


TORTURAS...



Podemos afirmar com veemência que ainda existem pessoas que não sabem ou, ao menos, demonstram não saber que o negro não se submetia ‘de bom grado’ aos domínios exercidos pelos brancos, assim, todas as formas de manutenção e estruturação desse poder se fez necessário, inclusive as torturas físicas e orais, com a máxima humilhação possível.


Um dos meios mais comuns de castigo aos negros, que não cumpriam os seus papéis, se é que podemos chamar de 'comum', era o Tronco, onde o escravizado era amarrado e torturado com chibatas até que os seus senhores estivessem satisfeitos. Uma animalização. A tortura, obviamente, não vinha apenas dos meios físicos, mas as humilhações eram frequentes, pontapés, bofetões e xingamentos além dos estupros que num conjunto de atos tornavam o ser humano um objeto, um ser desprezível, inútil, triste e muito infeliz.
           O requinte de crueldade era o suficiente para manter certa “paz”, embasada no medo, entre as raças. Mas, mesmo assim, surgiriam levantes, guerrilhas, assassinatos e organizações, como os quilombos que reagrupariam os negros no afã de recuperar a sua humanidade.





  *LEI 10.639/03 - Acréscimo na Lei 9394/96
Art.26 - Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.


sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

QUESTÕES HISTÓRICAS (I)

PARTE 1



Assim como a Diáspora Negra para o Brasil, a estadia do negro em terra desconhecida não foi fácil. Isso porque, enquanto objetos, não tinham direitos, apenas deveres a cumprir como executores dos trabalhos manuais para a manutenção do poder e vida do homem branco e cristão.
Quando o povoamento do país se deu, o negro, mão-de-obra fundamental do plantio da cana-de-açúcar, do café, ou mesmo dos garimpos, em busca de ouros e diamantes, era a base fundamental do sustento da economia. Para tal viviam em condições subumanas, no qual recebiam apenas o básico necessário para a sobrevivência (alimentos) com pouco descanso e muito castigo. Oprimido desde sua essência.
Antes ainda, que o Brasil fosse povoado, surgiam as reformas cristãs que visavam uma livre interpretação dos preceitos bíblicos. Em 1517, Martinho Lutero lança as 95 teses que modificaria as visões sobre as ações cristãs dali para frente. Esse movimento protestante ganha forma e força nos mais diferentes países da Europa e intriga a Igreja Católica que logo estabelece o caos no mundo.
Com medo das mudanças políticas que o surgimento dos protestantes poderia causar, a igreja convoca o Concilio de Trento (1545), visando a resolução dos conflitos e o sufocamento da reforma protestante. Isso foi a chamada Contrarreforma. Dentre os planos de medidas tomadas pela Igreja Católica, estão a retomada do Tribunal do Santo Ofício (Inquisição), a Lista de Livros Proibidos (Index), manutenção do Celibato e também uma edição nova de Catecismo, entre outras medidas.


JESUÍTAS...?

Com as novas medidas estabelecidas pela Igreja Católica, a Inquisição e sua nova edição do Catecismo terão papeis fundamentais para o desenvolvimento, por meio da opressão, da religião Negra do Brasil.
Portugal, país que colonizou o Brasil, tinha uma estreita relação com a Igreja Católica e em suas caravelas traziam os padres que, rezavam as missas e abençoavam a nova terra, “recém-descoberta” que em muito ajudaria a manter a metrópole fadada ao insucesso. Assim, cabia aos Padres Jesuítas a função da educação, ou melhor, reeducação dos indígenas e negros aqui no Brasil.


A Ordem dos Jesuítas não foi, entretanto, criada só com fins educacionais; ademais, parece que no começo não figuravam esses entre os propósitos, que eram antes a confissão, a pregação e a catequização. Seu recurso principal eram os chamados “exercícios espirituais”, que exerceram enorme influência anímica e religiosa ente os adultos. Todavia pouco a pouco a educação ocupou um dos lugares mais importantes, senão mais importante, entre as atividades da Companhia.
(LUZURIAGA, Lorenzo. História da educação e da pedagogia. 7. ed. São Paulo: Editora Nacional, 1975.)


Obviamente, o papel inicial dos Jesuítas se restringia aos aspectos religiosos, mas sua força política seria logo percebida pela Igreja, pois, eram os olhos do Papa, que exercia o poder político em nível mundial, sem contar o poder neles investido pela metrópole, como podemos observar nas palavras de Azevedo (1976):


(...) educadores, por vocação, mestres notáveis a todos os respeitos, eles puderam exercer na colônia, favorecidos por circunstâncias excepcionais, um verdadeiro monopólio do ensino, a que não faltava, para caracterizá-lo, o apoio oficial que lhes deu o governo da Metrópole, amparando-os, Gustana sua missão civilizadora e pacífica, com largas doações de terras e aplicações de rendimentos reais dotação de seus colégios.
(AZEVEDO, Fernando de. A cultura brasileira. 5. ed. São Paulo: Melhoramentos/INL, 1976. Parte 3: A transmissão da cultura.)


O NEGRO NÃO TEM ALMA, MAS O ÍNDIO TEM!

(foto de universoracionalista.org)


De modo que a Igreja precisava da propagação da fé cristã, os catequizadores começaram por defender, depois de certo tempo, a necessidade da conversão dos indígenas alegando que, ao contrário dos negros, o indígena tem alma e assim, como criatura de Deus, precisaria de uma atenção especial e não poderiam, para tanto ser escravos-objetos de posse. Apenas trabalhar em troca dos escambos e das aulas sobre a fé cristã com sua posterior conversão. Assim, começa a ruptura entre a aristocracia da nova sociedade com a Igreja Católica. Mais tarde, Marquês de Pombal expulsa os jesuítas do Brasil.


(Gustavo Barros)

OS NEGROS SÃO ARRANCADOS DE SUAS TERRAS

(O castigo - Jean B Debret)

      Como característica dos povos africanos, as tribos guerreavam entre si e formavam assim, grande número de escravos de guerra. Desde os anos 700, com a expansão da cultura Islâmica, a África foi se modificando e a estrutura escravista tomando a forma do sistema de modo de produção que conhecemos. Mas, nada foi tão cruel quanto a Escravidão proporcionada pelos europeus, que tinham certo 'requinte' de crueldade e sede de dominação e morte!
      Assim, nas trocas por produtos diferenciados, os europeus compravam os negros e os vendiam para o ocidente. Foi a partir de 1530 que se dava o povoamento do Brasil e com isso, a formação de uma sociedade dominadora branca e cristã (católica) na nova terra.

TRÁFICO NEGREIRO


(...) Negras mulheres, suspendendo às tetas  Magras crianças, cujas bocas pretas  Rega o sangue das mães:  Outras moças, mas nuas e espantadas,  No turbilhão de espectros arrastadas, Em ânsia e mágoa vãs!  (...) Dizei-me vós, Senhor Deus! terra Se é loucura... se é verdade Tanto horror perante os céus?! Ó mar, por que não apagas Co'a esponja de tuas vagas De teu manto este borrão?... Astros! noites! tempestades! Rolai das imensidades! Varrei os mares, tufão!  (...)
(Castro Alves - Navio Negreiro)





É mais que evidente que os negros vieram para o Brasil numa situação de desumanidade e dominados pelos brancos que os conduziam à nova Terra de modo cruel já que eram apenas objetos sem alma, como atestava a fé cristã. Bastam algumas pesquisas sobre os concílios cristãos ou famosos sermões para entender que, o negro não passava de uma mera mercadoria. Pessoas perdidas e posicionadas nas crenças do 'demônio'. 




ENFIM, O RESULTADO...


     Obviamente, como resultado de toda essa submissão social, seria impossível não perceber uma atual sociedade de desigualdades e de muitos oprimidos. O resultado de todo pensamento e ação cristã sobre os negros e sua cultura é o PRECONCEITO vigente. Afinal, se em sua visão inicial, o negro não tem alma e é objeto amaldiçoado, por que suas crenças seriam bentas?!?!
     Definir, abordar e explicar esse tema nunca é demais, ainda as discrepâncias sociais são muito grandes, a desigualdade, infelizmente, se faz presente na sociedade. O preconceito cultural e religioso sobre o negro é muito grande. Afinal, ainda ouvimos taxações acerca das religiões de matriz africana, ainda ocorre o repúdio à fé negra bem como suas vestes (torços, turbantes, batas, saias, colares...) e seus costumes!
     
"Se wo were fi na wosankofa a yenkyi"
"Não é errado voltar atrás pelo que esqueceste"
                                                                                                                                  (Gustavo Barros)