quarta-feira, 4 de novembro de 2020

A VIDA NO TERREIRO








Depois de muito tempo, pensando e repensando minha própria vida dentro do Terreiro, resolvi voltar a escrever. Escrevo porque há mensagens que sufocam. Há informações que são necessárias, mas acima de tudo, porque há muitas pessoas sem noção. 

De que é feita a vida dentro dos terreiros? 

A conservação da fé no ambiente afrocentrado, afrodescendente e afrorreligioso está intimamente ligado com trabalho. O desenvolvimento da fé se dá pelo trabalho, pela entrega, pelo serviço prestado ao santo. Porém, isso se dá com serviço prestado também às pessoas. 

Uma função religiosa (período de atividade ritual) é para o santo, mas também é para alguém, pra um irmão (secundariamente). 

O espaço religioso é, em suma, local de convivência. Convivência com o diferente. Convivência com pessoas totalmente diferentes, seja em identidade, hábito, formas de falar e levar a vida... Etc. E isso, por si só, já é bastante complicado. 

Nos momentos de nossas dores, nos voltamos ao sagrado e às pessoas que intermediam nossa fé com o sagrado, para que nos ajudem a solucionar nossas problemáticas. E vemos nossas adversidades como urgentes/emergentes, que precisam de resolução o mais rápido que o sagrado puder ajudar. Respeitamos nossas próprias dores e limites. 

Infelizmente, não é com o mesmo fervor que a maioria das pessoas veem as dores alheias. Assim, não conseguem desenvolver o senso de empatia e se colocar em serviço dedicado para solução da dor do outro. Hipocrisia. 

Quando um irmão se obrigaciona, também nos obrigacionamos porque isso significa Ẹgbẹ. Senso de coletividade, de sociedade. Seja um ẹbọ, um bori ou um Àjọ̀dún.

Muito da harmonia de um Terreiro se perde porque as pessoas não conseguem desenvolver seu próprio papel dentro da comunidade. Não conseguem pensar no sagrado. Anulando um pouco do egoísmo, egocentrismo, da vaidade. Para amar Òrìṣà é preciso amar pessoas. É preciso permitir que façam convívio e é preciso deixar o Aṣẹ (a força mística) fazer o seu trabalho exclusivo ou inclusivo para que as coisas ocorram de acordo com o desejo do Sagrado. 

'Pertencer' e 'ser' significam se anular e deixar as coisas fluírem. É preciso muita sobriedade para deixar o sagrado agir. Não cremos numa força superior egoísta, superficial e individualista. Mas numa força que preza, ama e forma coletividade. Ainda que haja percalços no caminho.


É preciso ser muito bom 'vodunsy' pra deixar o Aṣẹ acontecer... 


Boa noite!

Abrindo Temporada de novos textos!

Bàbálòrìṣà Tatto de Òṣóòsì