A mágica da tradição iorubana se dá já no primeiro contato com a religião, quando a música e a dança cumprem seu papel extansiante de elevar o ser humano a um outro patamar de consciência e percepção.
" Mostrem-me como dança um povo e eu lhes direi se sua civilização está doente ou tem saúde" (Confúcio)
A dança e a música são características fundamentais e basilares da tradição afro-brasileira, as orações, manifestações, personalidades são todas mostradas por meio dos gestos cadenciados construindo os fundamentos da religião. Segundo o Antropólogo Bourcier (2006), há registros históricos que comprovam a presença da dança ritual na vida do homem por pelo menos 14.000 anos. Sendo essa, o meio pelo qual ele se expressa, se comunica, se liga com a natureza e o espaço ao seu redor. Portanto, de importância sem igual o seu papel, principalmente aliado à religião. Numa relação música-dança, se estabelece a conexão homem-orixá, que o levará à uma possessão, cuja beleza e magnitude encanta a todos os presentes nas festas religiosas.
IDENTIDADE, para o conceito antropológico, significa a manifestação de um mundo particular em que o eu está associado, tendo ligações comuns com o meio. Ou ainda, é o reconhecimento em que o individuo é próprio, conjunto de diversos carácteres que diferenciam e particularizam o individuo. A CULTURA NEGRA, no Brasil, passou por gigantes dificuldades e crescente preconceito, o que dificulta a sua aceitação no meio social extra-afrorreligioso, fazendo com que percebamos que as religiões negra não sejam aceitas como 'dignas' para os padrões cristãos vigentes na sociedade, ou mesmo valores descendentes do pensamento ultra-cristão dos séculos de outrora, como a não aceitação da alma do negro, ou ainda, o negro como objeto de posse. Porém, ainda que submisso socialmente, a rica cultura africana se misturou intensamente à branca, as vezes, não possibilitando o destrinchar das misturas, indicando a grandiosidade das tradições. Por exemplo, a comida, a dança, os vocábulos, dentre outras. Mesmo que embranquecidas todas essas características pertinentes aos negros se fizeram e se fazem presentes na brasilidade.
A música e a dança são, em suma, partes integrantes da religiosidade negra. Os movimentos, o modo como se coloca o corpo, a música, a intensidade ou mesmo o volume desta tem representações específicas onde o detalhe constrói a riqueza. As orações são entoadas em formas de cantigas, onde as tradições se fazem, de modo que a cultura e as lições mitológicas que explicam a ritualística. Cada cantiga é composta por melodias específicas que se repetem de acordo com o objetivo de cada uma. Por exemplo, o toque/melodia "Oiê" se faz, sempre para saudar cargos religiosos, os religiosos, as funções religiosas, exaltar os orixás, solicitar bênçãos e sabedorias, dentre outras funções. Sempre se dá da mesma forma, intensidade e melodia variando apenas a letra que se canta. Aliado a esta reza está a dança, há uma dança específica para cada melodia entoada, em que os passos são pouco espaçados, mas os ombros e os braços são as partes do corpo em evidência, já que o pé pouco se move. E, às vezes, é tao complexa a aliança música-Dança que há diversos movimentos específicos para cada melodia, visto que a letra orienta os passos e coreografia.
A dança é parte fundamental da formação da identidade da pessoa que faz parte da religião, aprende-se com o tempo e dedicação, como forma de aquisição por merecimento e experiência. Assim, faz parte da formação da identidade religiosa, visto que, teoricamente, quanto mais velho dentro das tradições, quanto mais viveu dentro das tradições, mais sabedoria e conhecimento se agrega e, logo, mais se aprende a dançar. Numa cadência de conhecimento que é tão rico que parece não acabar o aprendizado.
POR QUE SE DANÇA?
“O mundo está dentro de nossas casas, nas diferentes localidades. Nosso cotidiano é perpassado pelas coisas do mundo” Fonseca (2010, p. 129)
A dança é a identidade, nas palavras de Confúcio e Bourcier (já citados), a aplicação da dança e música está associada a manifestação da fé desde os tempos remotos. O candomblé, a umbanda, e outras religiões chamam automaticamente, no êxtase da fé, o movimento do corpo, que acompanhado pela música se faz a dança. Já que os movimentos ritmados representam a arte complexa da dança.
Porém, a dança ritmada no candomblé está relacionada de maneira coreografada e isso se faz para ensinar o corpo as características de determinados orixás. E mesmo de determinados fundamentos religiosos. Xangô, o orixá do fogo, da justiça, senhor dos trovões, por exemplo, não poderia ter como dança representativa movimentos lentos, doces, sutis. Como o orixá é a manifestação do fenômeno da natureza, tal qual o trovão, o fogo, o vulcão, ele é ágil, brusco, rei, forte e guerreiro. Sua dança (Alujá) vai acontecer com braços arqueados, como que segurando dois machados (oxês), com movimentos rápidos e compassados, sem perder a vaidade que lhe é própria.
Muitos questionam a necessidade de ensinar o yaô a dançar, visto que, ele já entra em possessão de orixá, então acreditam que a dança deve se desenvolver automaticamente com o tempo. De fato, isso também ocorre, o processo de aprendizagem é constante, a coreografia se aprende vendo e fazendo. Mas, devemos lembrar que a dança é a manifestação do locus em que se vive. NÃO VIVEMOS NA ÁFRICA, portanto o movimento concreto próprio do povo africano e, logo, daquele orixá não se faz presente em nós. Aprendemos porque não possuímos a identidade própria do povo de origem. Por exemplo, aprendemos o Alujá, porque não possuímos as identidades, características e movimentos ritmados naturais do povo de Oyó (Terra de Xangô).
De maneira geral, percebemos que a manifestação da fé se dá de maneira complexa para a tradição iorubana, mesmo a daomeana. Visto que, a formação constante da identidade e seu conjunto de características se lapidam com tempo e experiência com a música, a dança e a língua que são próprias da tradição de Ketu, de jeje ou de Angola. O movimento do corpo, o comportamento do corpo, o ritmo adquirido pelo corpo e a habilidade com a dança se faz com o tempo e a senilidade religiosa. IDADE É POSTO!
TATTO BARROS