domingo, 24 de junho de 2018

VAMOS ARRUMAR A CASA?


UMA ANÁLISE ANTROPOLÓGICA

Ọ̀rọ̀ wèrè ló máa ńyàtọ̀, ti ọlọ́gbọ́n máa ńbá ara wọn mu ni.
As palavras dos tolos geram divergência, as palavras dos sábios geram união
(Provérbio Iorubá)


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(Imagem retirada do blog:Dinomar Miranda)


     Estamos vivendo tempos caóticos. Isso todos sabemos. Também ouvimos todos os dias que os candomblés (Os bons, é claro!) estão acabando e as diversas fontes de sabedoria estão se esgotando. Tradição oral em tempos de Google requer uma adaptação, porém essa adaptação não pode prejudicar os preceitos, dogmas, doutrinas e quaisquer outros segredos da Tradição de Matriz Africana, no Brasil.
      Todos os dias a nossa religião morre um pouco. Mas, somos mais que uma religião, somos cultura, somos identidade, somos uma totalidade gerada pelos diversos processos históricos no Brasil e no Mundo. E, claro, somos resultado dos desejos dos Céus para o planeta. Qual seja o nome: Destino, Linha Histórica, Causa e Efeito.
      Viveremos ainda tempos de muitas perseguições, tão mais intensas do que as que já vivemos há tempos. O Terrorismo Cristão tem invadido nossas casas e identidades por todos os lados, entrando pelas janelas, portas, frestas e quaisquer outros espaços que consigam dominar, como bactérias e vírus num corpo sem resistência.
            Isso mesmo! Somos um corpo sem muita resistência. 
   
     E, não dá pra aceitar esse problema imunológico que nossas Tradições vive, porque historicamente, culturalmente, somos uma Religião e de resistência. E, como tal, os problemas de intolerância que sofremos, também são problemas alinhavados com o racismo. Entretanto, isso quase todos nós também sabemos. Aqui mesmo já escrevi muito sobre esse tema. A questão agora é entender como superar os vilipêndios constantes que sofremos.

     PRECISAMOS ARRUMAR A CASA. Didaticamente, imaginando que o Candomblé seja uma casa, sabemos que não podemos exigir dos vizinhos organização de suas casas, ou mesmo compreensão, quando não a temos entre nós. Temos de nos respaldar nas regras de nossas tradições. E tempos de mudança certamente também são tempos de dor. 
   
     Nossos Terreiros precisam seguir as regras de nossas Matrizes, óbvio que regras dos tempos áureos (sem saudosismos ou com saudosismos). Não dá mais pra seguir um terreiro, cujas doutrinas e regras saem das cabeças amalucadas dos babalorixás. As regras precisam ser pautadas no reconhecimento da tradição, na construção da sabedoria, na transmissão do conhecimento pela oralidade e suas adaptações necessárias. Já não dá pra seguir uma religião que não se conhece.

      Para cada Ìyáwò burro, temos um Ègbón incompetente, ou ainda tão ignorante quanto.
      Para cada questionador, uma salvação.

      Quando o mais velho ignora a construção do seu conhecimento, se torna inútil para a manutenção das tradições. Quando o Ìyáwò busca o conhecimento, ele torna possível a luz para a manutenção da religião. Para cada louco que descumpre as mesmas doutrinas e regras, temos milhares que batem suas palmas. E esses mesmos milhares postam seu descontentamento com as vias que a Religião parece tomar. Hipocrisia? Ignorância? Conveniência?

     Também é conveniência quando apagamos os erros cometidos no passado, por quem quer que seja. O exemplo tem que vir de casa. Da Raiz. Não dá mais para nos apoiar nos alquebrados. 

    É necessário saber que, sofreremos muito enquanto a base, os mais novos, os ìyáwó, não se preocuparem com a construção de seus conhecimentos e enquanto os mais velhos estiverem mais preocupados com seus egos do que com a transmissão de seus conhecimentos. Para cada casa que suja o nome de sua tradição, também temos um Babalorixá conveniente com o uso do seu nome e de seus ancestrais. E isso qualquer pessoa, de ontem, como eu, pode perceber.
     
       Busquemos hoje, agora, uma casa que tenha responsabilidade com o conhecimento e aliança com a Matriz. Abandonemos os axés cuja história seja elíptica, desconhecida, distorcida e mesmo, suja. A morada do nosso santo não pode ser a morada das condutas trantantadas. 

quinta-feira, 12 de abril de 2018

POR QUE ESCREVER SOBRE CANDOMBLÉ É DIFÍCIL?





         É muito difícil falar de candomblé, visto que se trata de uma tradição expressamente oral e aprendida diariamente na convivência em comunidade, nas funções religiosas. A função religiosa é todo preparativo ritualístico ou não que torna possível a existência do candomblé e sua apresentação à sociedade, seja a sociedade correligionária ou mesmo a civil, não pertencente, de maneira iniciática à religião.

            A história não está ligada ao homem, nem a qualquer objecto em particular. Consiste inteiramente no seu método; a experiência comprova que ele é indispensável para inventariar a integralidade dos elementos de uma estrutura qualquer, humana ou não humana. Longe portanto de a pesquisa da inteligibilidade resultar na história como o seu ponto de chegada, é a história que serve de ponto de partida para toda a busca de inteligibilidade. Assim como se diz de certas carreiras, a história leva a tudo, mas contanto que se saia dela.

Claude Lévi-Strauss, in “La Pensée Sauvage (1962)



            Para Strauss (1962), a história por si só não está ligada ao homem, talvez pelo fato dela ser associada ao relato unicamente, ou estabelecer um parâmetro temporal e se preocupar com o método. Assim, quando se escreve, se relata, historicamente. É a partir da história que se ressalva aquilo que aconteceu, a forma que aconteceu e como foi o sentimento no ocorrido. Entretanto, para seu biógrafo, Denis Bertholet, Strauss tem em sua obra um enfoque que se debruça sobre o homem e sua construção, dissociando e associando o indivíduo à sua obra, com fusão e com fissão. Produto e produtor. Esse é o papel da Antropologia. Encontrar a si mesmo dentro dos padrões culturais e analisá-los dessa forma. Talvez o que haja de mais verdadeiro seja toda essa subjetividade envolvida no viver.

            No caso do candomblé, a sua história ritualística é acabada, ou seja, está construída e respaldada, entretanto o aprendizado de tudo (ritual, dança, língua, canto, comidas...) se dá de acordo com o tempo e vivência, numa ode a senescência, como já descrito neste blog. Assim, quando eu falo sobre a religião, represento, com ou sem autorização, todos os meus ancestrais, sendo eu digno ou não de tal fato. Outrossim, estou sobre o julgamento dos meus iguais ou superiores. Isso porque a tradição é oral e vivida, não registrada.

            Resumidamente, falar sobre candomblé é falar sobre resistência, história, vivencia e segredos. Assim  as barreiras são tantas e tamanhas. Cada palavra deve ser medida a fim de não destruir ou manchar o nome dos ancestrais da pessoa que fala. Nem pôr o que foi dito em situação de dúvida ou efeito falacioso.


Bibliografia:

https://www.comunidadeculturaearte.com/as-teorias-e-conceitos-de-claude-levi-strauss/
https://www.britannica.com/biography/Claude-Levi-Strauss
https://www.terra.com.br/noticias/mundo/europa/saiba-mais-sobre-levi-strauss-o-pai-da-antropologia-moderna,004d43e78784b310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html
imagem: https://br.pinterest.com/pin/84724036719032407/