segunda-feira, 8 de junho de 2015

A VIDA RELIGIOSA



     Talvez, o que há de diferente nas religiões afro brasileiras, em comparação com as famosas e conhecidas religiões do mundo, seja o resgate de si mesmo, ao qual cada um está exposto, a introspecção e o desejo suntuoso pelo bem-estar e estar-bem na vida física. Não há uma busca opulenta pelo outro mundo, pela pós-vida, os acontecimentos buscados são para agora, são necessidades imediatas, nesta existência, pois, ela encerra em si mesma toda glória ou esquecimento.
     A glória se dá pela memória dos que ficam, quando os feitos daqueles que já se foram são mais que considerados pela sociedade vigente. Assim, toda vez que for necessário louvar/saudar determinado orixá, também será feito pela invocação daqueles que a este foram iniciadas e, partiram para outro estágio da vida. Além do corpo físico.
     Está lembrança memorável se dará pela invocação do nome religioso que cada um angaria quando é iniciado nos "mistérios do mariô" (Màrìwò). Nas rezas do obi, por exemplo, onde os ancestrais são chamados para ouvir e mesmo inferir e transmitir a mensagem dos deuses. Os ancestrais louvados e chamados são as pessoas que, para o invocador, se fazem importantes, já que construíram um legado e foram para este, mais que professores.
     Já o esquecimento se dará para aqueles que não construíram um legado, não buscaram o enaltecimento do nome, da cultura e nada cultivaram ao outro, de jeito que não serão lembradas por qualquer ato. Ou mesmo se dará para aqueles que construíram suas vidas em caminhos falaciosos. Caminhos estes que se construíram na vergonha da falta de caráter e da mentira. 
     Obviamente, há lados bons e ruins da propagação da fé iorubana, principalmente. Visto que, a tradição jeje (djedje), por exemplo, conseguiu se manter mais fiel às origens do que as demais nações (ketu e angola) cuja propagação construiu a fama, isso porque, toda a expansão 'descontrolada', produziu casas religiosas que são afastadas inclusive ideologicamente de suas matrizes. Nas quais, o culto se perdeu, as tradições se perderam, a cultura se perdeu e, logo a religião se diferencia, de modo danoso para aqueles que buscam angariar o conhecimento e construir a sabedoria afrorreligiosa. 
      Para aqueles que buscam o vestíbulo às religiões africanas, há que se considerar o quão unidas estas se fazem com suas matrizes, que seja, por exemplo, o Axé Oxumarê, Axé Pilão de Prata, o Ilê Axé Opô Afonjá, o Axé Casa Branca ou ainda, o Axé Gantois. Isso porque, a religião estabelece vínculos com os ancestrais e apenas com esse vínculo estabelecido o conhecimento virá. O tempo vivido de religião implica em construção e lapidação da sabedoria, já que por meio da vivência que o conhecimento é transmitido.
      Há todo um sentimento de reserva e segredo nas tradições, devido aos processos históricos aos quais o povo negro foi submetido no decorrer da construção social e suas modificaçoes. Assim, apenas a fidelidade, confiança, tempo, estabelecimento de vínculos darão segurança para que os mestres ensinem os aprendizes.  Por fim, se construirá o laço familiar inerente à religião, com país, mães, filhos, sobrinhos de fé. Cuja hierarquia banha e protege os seus. A palavra de ordem para alcançar os degraus da sabedoria é dedicação, associada com merecimento.




Tatto Barros

quinta-feira, 4 de junho de 2015

RITUAL E SACRIFÍCIO




      Este blog já abordou o assunto "Sacrifício" mas, Mãe Stella de Oxóssi (Sacerdotisa do Ilê Axé Opô Afonjá) escreveu um artigo para o Jornal "A Tarde" de Salvador, como o faz quinzenalmente, cuja a riqueza é difícil de ignorar. Segue este Texto, para apreciação e enriquecimento cultural e religioso.
 
 
 
      "Este é o último artigo que comenta sobre o “corpo religioso” do candomblé, da maneira como ele é professado no terreiro/templo Ilê Axé Opô Afonjá, onde fui iniciada e me tornei iyalorixá. Já foram feitas observações sobre cosmogonia – origem do mundo segundo o povo yorubá; liturgia – cerimônias abertas ao público; dogmas – verdades reveladas pelos orixás, que são aceitas usando-se o critério da fé. Hoje o tema é ritual: cerimônias que se baseiam em mitos que foram sendo transmitidos pelos ancestrais. Nos rituais revivemos passagens importantes dos orixás aqui na Terra e, assim, conectamo-nos com o comportamento deles. Os rituais, através dos mitos, ensinam para nós os comportamentos que devem ser seguidos e os que devem ser evitados. Muitos desses rituais são repetidos em épocas específicas, pois têm que estar em conexão com os ciclos da natureza. É de fundamental importância que os sacerdotes busquem e adquiram esse conhecimento, pois só assim os rituais alcançam todo seu potencial.
      A grande polêmica que fazem com a religião dos orixás é o fato de em alguns de seus rituais animais serem sacrificados. Uma prática que existe desde quando o homem precisa alimentar-se. Sempre foram realizados por muitas religiões, mas que aos poucos foram deixando de existir em algumas. A pergunta é, então, por que o candomblé ainda faz o que, para muitos, é considerado uma barbaridade?
      A resposta é simples: essa religião tem uma profunda relação com o planeta Terra, tanto que suas danças são feitas com os pés totalmente plantados no chão, diferente do balé, que parece demonstrar que os bailarinos, dançando nas pontas dos pés, desejam alcançar o céu. Essa ligação com a terra não poderia excluir a necessidade que o homem tem de se alimentar para sobreviver. Oferecemos aos deuses tudo aquilo que nos mantém vivos e alegres: alimentos, flores, perfumes, água limpa e fresca. Tranquilizo os leitores dizendo que no dia em que os homens deixarem de ter na mesa galinha, galo, carneiro, porco, boi… naturalmente esses animais deixarão de ser ofertados aos deuses. Se um dia o sacrifício humano existiu foi porque as tribos se alimentavam de seus semelhantes. Se a desculpa para crítica de sacrifício de animais se deve ao fato de eles serem seres vivos, gostaria de lembrar que laranja, alface, couve também são seres vivos.
      Afinal, quando arrancamos uma raiz de inhame para que ela faça parte da nossa farta mesa de café da manhã, nem lembramos que sacrificamos um ser vivo. Neste caso é para nos servir de alimento, e quando arrancamos uma flor pelo simples prazer de curtir sua beleza? Gostaria, apenas, que as pessoas que criticam os nossos rituais refletissem sobre o que foi dito anteriormente, com o coração e a mente aber ta, e chegassem às suas próprias conclusões. Não é nosso interesse forçar alguém a crer em nossas verdades, mas é nossa obrigação fornecer subsídios para ajudar as pessoas a ampliarem o conhecimento de suas mentes, a fim de que seus corações possam ficar cada vez mais livres de preconceitos, o que faz com que eles se tornem mais purificados.
       Caso tudo o que falei ainda não tenha servido para que o sacrifício de animais no candomblé possa ser compreendido, quero lembrar que os animais de que o povo se alimenta no seu dia a dia são mortos em série, de maneira cruel, nos abatedouros. Os nossos animais são reverenciados desde que são escolhidos nas feiras livres, até o momento em que são oferecidos aos orixás, quando cobrimos seus olhos com folhas específicas de calma e cantamos a fim de diminuir o estresse que eles possam estar sentindo. Além disso, eles não são animais quaisquer, são escolhidos aqueles que o sacerdote consagrado para esta função percebe que já estão no momento de passar para outro estágio evolutivo. Não matamos o animal, damos a ele um novo nascimento, por isso cantamos: Bi ewe yeje para lala ie, Ògún pere pa = Demos-lhes um novo nascimento, você resistiu à prova, ultrapassou seguramente privações e sofrimentos, você não está morto, está vivo. Somente Ogun mata."
 
 
 
  MÃE STELLA