Talvez, o que há de diferente nas religiões afro brasileiras, em comparação com as famosas e conhecidas religiões do mundo, seja o resgate de si mesmo, ao qual cada um está exposto, a introspecção e o desejo suntuoso pelo bem-estar e estar-bem na vida física. Não há uma busca opulenta pelo outro mundo, pela pós-vida, os acontecimentos buscados são para agora, são necessidades imediatas, nesta existência, pois, ela encerra em si mesma toda glória ou esquecimento.
A glória se dá pela memória dos que ficam, quando os feitos daqueles que já se foram são mais que considerados pela sociedade vigente. Assim, toda vez que for necessário louvar/saudar determinado orixá, também será feito pela invocação daqueles que a este foram iniciadas e, partiram para outro estágio da vida. Além do corpo físico.
Está lembrança memorável se dará pela invocação do nome religioso que cada um angaria quando é iniciado nos "mistérios do mariô" (Màrìwò). Nas rezas do obi, por exemplo, onde os ancestrais são chamados para ouvir e mesmo inferir e transmitir a mensagem dos deuses. Os ancestrais louvados e chamados são as pessoas que, para o invocador, se fazem importantes, já que construíram um legado e foram para este, mais que professores.
Já o esquecimento se dará para aqueles que não construíram um legado, não buscaram o enaltecimento do nome, da cultura e nada cultivaram ao outro, de jeito que não serão lembradas por qualquer ato. Ou mesmo se dará para aqueles que construíram suas vidas em caminhos falaciosos. Caminhos estes que se construíram na vergonha da falta de caráter e da mentira.
Obviamente, há lados bons e ruins da propagação da fé iorubana, principalmente. Visto que, a tradição jeje (djedje), por exemplo, conseguiu se manter mais fiel às origens do que as demais nações (ketu e angola) cuja propagação construiu a fama, isso porque, toda a expansão 'descontrolada', produziu casas religiosas que são afastadas inclusive ideologicamente de suas matrizes. Nas quais, o culto se perdeu, as tradições se perderam, a cultura se perdeu e, logo a religião se diferencia, de modo danoso para aqueles que buscam angariar o conhecimento e construir a sabedoria afrorreligiosa.
Para aqueles que buscam o vestíbulo às religiões africanas, há que se considerar o quão unidas estas se fazem com suas matrizes, que seja, por exemplo, o Axé Oxumarê, Axé Pilão de Prata, o Ilê Axé Opô Afonjá, o Axé Casa Branca ou ainda, o Axé Gantois. Isso porque, a religião estabelece vínculos com os ancestrais e apenas com esse vínculo estabelecido o conhecimento virá. O tempo vivido de religião implica em construção e lapidação da sabedoria, já que por meio da vivência que o conhecimento é transmitido.
Há todo um sentimento de reserva e segredo nas tradições, devido aos processos históricos aos quais o povo negro foi submetido no decorrer da construção social e suas modificaçoes. Assim, apenas a fidelidade, confiança, tempo, estabelecimento de vínculos darão segurança para que os mestres ensinem os aprendizes. Por fim, se construirá o laço familiar inerente à religião, com país, mães, filhos, sobrinhos de fé. Cuja hierarquia banha e protege os seus. A palavra de ordem para alcançar os degraus da sabedoria é dedicação, associada com merecimento.
Tatto Barros