terça-feira, 18 de julho de 2017

UMA ODE AOS NEÓFITOS



Há algum tempo, escrevi uma Ode aos Antigos e Sábios. Alguns amigos e irmãos de religião vieram a mim e contaram suas histórias de respeito aos mais velhos, dedicação e afeto emprestados aos antigos dentro das tradições, conforme manda o figurino. Entretanto, com o tempo, perceberam que dali não sairia sequer uma fagulha de conhecimento, ou mesmo, tiveram a percepção de se tratar de um sacerdote que não tinha conhecimento algum para oferecer. O que fazer? Como agir? Todos os antigos são dignos de nossa devoção e fidelidade?
“O preço da fidelidade é a eterna vigilância”, Millôr Fernandes nos empresta sua sabedoria para mostrar que ainda que nós sejamos fieis, dedicados e reverentes dentro de nossas crenças, sejam elas quais forem, observar atentamente os passos dados e as mãos acolhedoras também se faz necessário. É com pesar que lemos todos os dias os sacerdotes ou oloyês nas redes sociais falando mal ou ensinando um Ìyáwò ser um bom Ìyáwò, sem que entretanto tenha aprendido a ser um bom pai/mãe/orientador, ou mesmo ser exemplo, ter caminho e conduta ilibada.
Isso talvez explique a famosa sentença da pesquisadora visionária da Umbanda, Martha Justina, que alega que a “A lei da umbanda também segue seu curso evolutivo, saindo das grotas, das furnas, das matas,  abandonando os anciões alquebrados, fugindo dos ignorantes, quebrando as lanças mãos dos perversos (...)” (Justino, 1942). Obviamente, ressalvam-se as ideias positivistas e racistas empregadas na origem da religião brasileira, buscando o distanciamento da sua natureza africana, mas demonstra que, o Candomblé está nas mãos de poucos anciões e sábios, que já estão partindo, enquanto alarga-se a presença de sub-candomblés, formados e compostos por pessoas que não tem qualquer aliança com os antigos e sábios, ou mesmo com as Casas Matrizes da tradição.
Vemos hoje, inúmeros membros que não sabem se vestir, se comportar, rezar, cantar... Que não sabem axé. E isso é um constante retrocesso e mesmo o pontapé inicial de uma religião/cultura tradicional que assiste seu fim.
   Respondendo às perguntas iniciais, quando há um interesse de ingresso ao candomblé devemos, antes de tudo, fazer uma investigação de vida pregressa do bàbálòrìṣá, Ìyálòriṣá, temos de saber se são de raízes confiáveis, de tradição e respeito; há a necessidade de saber se são bons filhos, trabalhadores em seus aṣé ou são apenas os visitantes (filhos-clientes). Temos de saber se cumprem com os requisitos da matriz que dizem pertencer, ou se, com frequência, tem acesso aos novos saberes de seu aṣẹ́. Há vários sacerdotes que nunca frequentaram uma casa, como filhos, nunca lavaram, passaram, limparam. Nunca lavaram sequer uma louça na casa onde foram feitos. Nunca viveram uma função como filhos, bons e dedicados. Simplesmente, compraram seu passe de Sacerdotes. Não viveram o que é ser de candomblé e suas superações diárias.


"No candomblé, é a gente que se supera, não tem que superar o outro, tem que superar a si próprio. Não tem que tentar superar o outro com essa questão de valores materiais, não tem nada disso. E eu nunca tive essa pretensão. A minha alegria era servir ao orixá e à minha mãe-de-santo, fazer as coisas dentro dos parâmetros certos." (Mãe Stella de Oxosse, por Mariano, 2001)


      Infelizmente, pode ser que descubramos tardiamente, entretanto, sempre é hora de recomeçar. Procuremos lugares sérios, idôneos, onde a religiosidade se sobrepõe a vaidade e à precificação da coisa sagrada. Lugares de fé e fato. 
       Há uma frase famosa de Leonardo Da Vinci que expressa justamente o sentimento, a sensação de pertencer ao que é retilineo, sábio e valoroso. Ao que é respeitado não por nome (apenas) mas, por valor de tradição, confiabilidade e referência: "Uma vez que você tenha experimentado voar, você andará pela terra com os olhos voltados para o céu. Pois, lá esteve e para lá deseja voltar".
       Devemos respeitos aos mais velhos, àqueles que chegaram antes de nós nas tradições. Sempre. Porque cada um só pode dar aquilo que tem. Mas, faz-se necessário enfatizar que não dá para viver nas trevas do conhecimento. Trabalho, fidelidade, dedicação devem resultar em saber. Assim sempre foi o candomblé, assim deve permanecer.
       CONCLUINDO, desejo que todos os novatos, sejam eles abiyan ou ìyàwó ou ainda ègbón, encontrem seus lugares. Em conformidade com a religião e seus pressupostos, em aṣé, em trajes, em essência, em respeito às tradições. E, que a cada segundo estejam aprendendo como se aprende na mais profunda raiz que deu origem a sua pertença.


TATTO BARROS


REFERÊNCIAS:

JUSTINA, Martha. Atualidade da Lei de Umbanda. In: Primeiro Congresso Brasileiro do Espiritismo de Umbanda. Trabalhos apresentados ao 1º Congresso Brasileiro do Espiritismo de Umbanda, reunido no Rio de Janeiro, de 19 a 26 de outubro de 1941.Rio de Janeiro: Jornal do Comércio, 1942, p. 93-4

MARIANO, Agnes. Entrevista com Mãe Stella de Oxosse. In:https://historiasdopovonegro.wordpress.com/fe-2/no-candomble-e-a-gente-que-se-supera-nao-tem-que-superar-o-outro-entrevista-com-mae-stella-de-oxossi/ . Em 2001.

quarta-feira, 5 de julho de 2017

CANDOMBLÉ: Ode à Senescência em tempos de Asilo!




"A cultura é o melhor conforto para a velhice"
Aristóteles




Luz Negra - Rogério Braga


Vivemos em tempos em que, a cada hora, o número de idosos cresce em asilos, como se a família não tivesse tempo para cuidar dos seus. Assim, junto a velhice vem a solidão, o abandono, a tristeza... que acometem a saúde não só mental do idoso.
Nesse instante em que o jovem se dissocia cada vez mais da família, das tradições, dos propósitos espirituais (não faço apologias religiosas nessa expressão), filosóficos e, muitas vezes, sociais, o candomblé vem à tona com sua supervalorização dos idosos. Uma valorização que emprega uma carga moral à religião, que só sobrevive pelas questões orais, preservadas e professoradas pelos mais antigos. Assim, teoricamente, quanto mais antigo mais sábio, uma enciclopédia viva de todo teor teológico e teosófico de nossas tradições.
As profundas transformações sociais em que vivemos tem balançado nossos conceitos de família e mesmo, de responsabilidade. Zygmunt Bauman, um pensador, sociólogo da contemporaneidade, desenvolveu um conceito que é muito bem aplicado para este momento: Modernidade Líquida. Que se refere às constantes necessidades de transformações para adaptação ao meio. Uma teoria muito interessante que define a atualidade.
Os conceitos morais/éticos parecem estar cada vez mais abalados, ou mesmo relegados ao segundo plano, perdendo para o bel prazer, satisfação momentânea ou para o mercado. A família hoje, tem se colocado muito mais para o trabalho que para a própria valorização da vida, da felicidade ou mesmo do cuidado e manutenção dos laços. Os pais contratam profissionais para a educação dos filhos, dão às escolas a responsabilidade sobre a formação moral, ética, profissional, porque educar dá trabalho e exige tempo. Justamente nesse instante, o afeto é rompido. Lacan, um grande psicanalista francês, emprega em suas obras que o papel dos pais está também em castrar o excesso de liberdade, valorizando a união, o respeito, a ordem que começam dentro de casa. Não há rédeas que segurem um adolescente sem limites ou noção de respeito. Tudo começa pela boa educação e respeito professorados pelos responsáveis.
E nesse orbe de pensamento compreendemos que o papel dos pais está por sobre além de bancar uma educação, saúde, segurança de qualidade fora de casa. Eles devem, dentro de seus lares, ensinar o respeito e a valorização dos laços, dos avós, tios, primos, etc. Quando as noções do amor, respeito e valorização não estão bem empregadas esses mesmos pais colherão a amargura de uma velhice na solidão. Ou ainda, o afastamento afetivo antes dessa idade.
O candomblé, em contrapartida a tudo isso, é uma religião e cultura tradicional, onde a valorização do ancião (velho, idoso, antigo, agbá) se dá a todo instante. Porque onde a cultura é oral há a necessidade do culto e reverência às Bíblias Vivas.
Não comer antes do mais velho. Não se sentar na mesma altura que o mais velho. Não falar mais alto que o mais velho. Não se postar acima da cabeça do mais velho. Pedir licença ao passar pelo mais velho. Não se estabelecer numa conversa entre os mais velhos. Essas são todas lições que nos trouxeram até aqui, com a valorização da senescência associada com amor e respeito. Caso essa modernidade adentre em nossas tradições, ela pode nos afetar negativamente, fazendo-nos acreditar nos fundamentos teológicos de livros, ao invés de pessoas que se prostraram e viveram a religião durante as décadas da caminhada.

TATTO BARROS