domingo, 28 de agosto de 2016

O PRECONCEITO ÀS RELIGIÕES AFRICANAS

 REFLEXOS HISTÓRICOS E ANTROPOLÓGICOS


Certa vez Voltaire disse “Preconceito é opinião sem conhecimento”. Isso é indiscutível. Toda a gama de ações contra o povo de religião afro-brasileira não é mera ação religiosa, ou imbuída de uma fé, apenas. Se o fosse, já seria criminosa e imperdoável. Entretanto, trata-se do preconceito racial velado. Ação da sociedade como um todo, contra os negros e sua ancestralidade africana.
Exatamente assim. Trata-se de uma herança cultural, impregnada no cerne da sociedade branca, cristã e elitista. Percebemos assim que o que é do negro não é digno se comparado com o que pertence ao branco. Se uma pessoa se considera cristã, católica, judia, ou qualquer outra denominação, seja no trabalho, na família ou nas escolas, esta não sofre os olhares preconceituosos que um declarante de religião de matriz africana. Toda a visão torpe do pensamento vitimista deve ser abandonado para perceber que os seguidores do Candomblé e da Umbanda, em suma, por vezes mascaram sua fé e tradição em nome de uma visibilidade mais agradável aos olhos da sociedade.
No trabalho, muitos escondem suas tradições. Isso é um fato, inquestionável e claro. Evidente.
Se lançarmos um olhar sobre o passado, conseguimos entender os motivos. Os pretos, escravizados, deveriam esconder suas tradições, nas vestes e filosofias cristãs, impostas socialmente. Aquele que não se convertesse morria, sofria no tronco, não que, o então objeto tivesse alma, sobretudo para o agrado do capital, do senhorzinho, da burguesia e do patriarcado.
Portanto, o preconceito religioso atribuído às religiões de origem africana, são, em suma, formas veladas do preconceito racial, historicamente, antropologicamente, filosoficamente intrínsecos nas palavras e ações dos brasileiros. Thoreau disse, sabiamente, “nunca é tarde para abrimos mão de nossos preconceitos”, mesmo porque a origem deles, por vezes beira a animalidade ou o ridículo.
O preconceito religioso vem assolando a humanidade há milênios, o preconceito aos membros das tradições afro-brasileiras, pode começar uma guerra, mesmo que silenciosa. Pois, as batalhas e mortes, já vem acontecendo, há muito, de maneira elíptica, e poucos estão percebendo.

Tatto Barros

segunda-feira, 11 de julho de 2016

O MITO DA CONSCIÊNCIA NEGRA


DESCONSTRUÇÃO DO APRENDIZADO DA HISTÓRIA e DESDOIRO DO PRECONCEITO




    O vigésimo dia do mês de novembro de todos os anos, a partir de 2011, é nomeado como feriado (em alguns municípios, não na totalidade deles) de Dia Nacional da Consciência Negra. Sob o respaldo da lei nº 12.519, instituída. A data faz uma alusão à morte do líder do Quilombo dos Palmares, Zumbi, que foi morto de maneira cruel pelos brancos. Morte exemplificadora, com a cabeça cortada e salgada, levada ao Governador Melo de Castro (1695). A cabeça de Zumbi fora exposta no Pátio do Carmo (Recife- PE) com o falo na boca de modo intimidar o povo negro e desmistificar as questões de imortalidade impressas à figura do grande líder (Carneiro, 1966).
      Acontece que, no decorrer da história, os Negros tiveram seus papéis determinados pelos brancos e as regras sociais impostas fizeram com que a cultura, as tradições e mesmo a identidade deles fossem deturpadas e mesmo desconfiguradas. Basta lembrar que nos Portos Africanos, quando embarcariam rumo à Nova Terra, passavam pelo ritual do esquecimento. Porém, os escravizados aqui chegados trouxeram consigo muito mais do que a mera lembrança do que eram e continuaram sendo, trouxeram junto a si a maestria de suas histórias em suas mentes pois, os sonhos, os desejos, os aprendizados natais e suas essências eram tudo que lhes havia sobrado, assim construíram a sua história numa terra cujos donos sofreriam com igual intensidade, se não no corpo, na alma.
     A escola brasileira ainda conta história das benesses sociais empregadas por brancos aos negros, como a heroína Princesa Isabel, que os libertara numa ação de bondade. Quando na verdade, houve pressões feitas pela necessidade Industrial da Inglaterra, entre outros fatores geopolíticos que ficam suprimidos pelo ensino elíptico da verdade e dos fatos. O negro no Brasil viveu e, ainda vive, em situações eufêmicas, como se a sociedade como um todo fosse miscigenada e aqui fosse o paraíso racial. O que de fato se trata de uma falácia, que mesmo os americanos, segundo Petrônio Rodrigues em sua recente publicação para a Revista de História da USP, em “A visita de um Afro-Americano ao Paraíso Racial” (2006. p. 161-181), caíram no decorrer das décadas entre 1910 e 1960, quando rui o conceito do ‘paraíso’ no bloqueio de vistos a serem concedidos aos afro-americanos interessados no ingresso ao país.
     É em meio a toda essa estrutura de tentativa de embranquecimento do país, que a cultura negra exige espaço e igualdade, alcançando a voz necessária para iniciar o processo moroso e doloroso da transformação social. Desta forma, entre os anos 1800 e 1900 nasce o Candomblé, religiosidades e tradições negras começam a ganhar forma, a capoeira, as danças, as comidas começam a ganhar espaço na Nação e o sentimento de nacionalidade parece tomar conta da ‘vontade’ dos descendentes de escravizados que ficaram no país. Há que se lembrar que em nenhum momento o negro esteve passivo diante das situações impostas pela sociedade europeizada. O próprio nascimento dos quilombos é o reflexo da não aceitação do que lhes foram imposto, é o reflexo da necessidade do resgate da humanidade e acima de tudo da rejeição à condição de objeto.


     A formatação da Lei 10.639/03 tem como ideal fazer com que as escolas anexem ao seu currículo o ensino da História e Cultura Afro-brasileiras e Africanas, no afã de desconstruir o preconceito em sua base. Promulgada e indexada na Lei de Diretrizes e Bases que guia todas as escolas do país e é o parâmetro de currículo e avaliação, entretanto a aplicabilidade ocorre de modo deficitário e, porque não dizer (?!), falacioso. Visto que os assuntos pertinentes são poucos ou nada trabalhados, dado que as escolas têm sua trajetória e origem (e membros) cristã-normativa, o que impede que o trato às culturas e tradições negras sejam trabalhadas, porquanto que foi essa mesma tradição que possibilitou e justificou a existência da escravidão e ausência de alma do ‘negro-objeto’ e, por conseguinte, trata-se de uma estrutura maculada pelas ações religiosas no pretérito recente.
     Entender que por si só a lei não pode descontruir o racismo e as questões negras vigentes é o primeiro passo para construir a preocupação com o que está se tornando caso militar no país. É a falta da educação que mata jovens negros, que trucida fiéis de tradição religiosa negra (do Candomblé, Umbanda, Omolokô, Jurema, tambores entre outras denominações), é a falta de educação e ética que ainda justifica a existência das diversas formas de preconceito no Brasil.  “As ações afirmativas não acabam com o racismo nem com o sistema público de ensino, como diziam seus opositores. Mas, proporcionam igualdade de oportunidade”, essas são as palavras do Jornalista Carlos Medeiros, em sua palestra no Café Filosófico (19/08/2015), que expressam de fato a importância da informação. É por meio do conhecimento e da oportunidade de acesso a ele que a sociedade se transformará. A discriminação e preconceito vigentes se desconstruirão quando a ética nascer entre os homens e ela só se dará com a erudição e o acesso a informação e educação. E apenas nas mãos do poder público, onde os alunos não são clientes, mas em suma, estudantes. Apenas.
     Enquanto esse processo de ensino real e alimentado pela vontade de transformar não se concretizar, os números de vítimas de violências, seja pelos civis, religiosos, policiais, entre outros, contra a população negra tendem a aumentar, isso porque ainda são esses os socialmente marginalizados. Posto que, aqui (no Brasil) o preconceito e a discriminação são velados.



REFERÊNCIAS NO TEXTO:
CARNEIRO, EdisonO Quilombo dos Palmares, Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 3a ed., 1966.
DOMINGUES, Petrônio. A visita de um afro-americano ao paraíso racial. Revista de História/USP 155, 2006
MEDEIROS, Carlos. Raça e Racismo no Brasil Contemporâneo. CPFL Cultura: SP. 2015Acesso em < http://www.cpflcultura.com.br/2015/08/19/raca-e-racismo-no-brasil-contemporaneo-com-carlos-medeiros-integra/ >

terça-feira, 28 de junho de 2016

CARTA ABERTA A SRA PATRICIA ABRAVANEL E DEMAIS BRASILEIROS INTOLERANTES




Em países muito místicos (...), o povo deixa de trabalhar porque fica tão místico, que deixa de fazer as coisas certas para poder chegar num objetivo. Em países mais racionais, que têm uma fé em deus, mas que acredita no esforço, no suor, no trabalho, no você 'se portar', ter um casamento e ter que cuidar dele, esses países vão mais pra frente. Então, um exemplo: a África é muito mística, e a gente vê as consequências, e os EUA é mais racional, protestante, onde acredita no suor. Então, eu acho que a gente tem que avaliar nossa crença através dos frutos que elas nos trazem",

Leia mais: http://extra.globo.com/tv-e-lazer/patricia-abravanel-fala-de-misticismo-africano-causa-nova-polemica-nas-redes-sociais-19597977.html#ixzz4Ct8ZSv00



            Há muito, uma pequena parcela da população brasileira vem lutando para que as barreiras da intolerância religiosa e sua carga negativa na sociedade se rompam. Porém, desconstruir um pensamento estruturado numa herança cultural com normatividade cristã e racista é um processo moroso e requer várias ações para a constituição de uma lapidação e ruptura de um pensamento dominante. A sra, Patrícia Abravanel, há pouco, manifestou sua opinião acerca das problemáticas africanas, atribuindo todos os seus malefícios as questões religiosas, porém o que não sabe é que, durante séculos, o CONTINENTE Africano, pois não é um país, nem tampouco homogêneo, sofreu invasões e domínio dos cristãos, que sugaram tudo e mais um pouco que o continente possuía e, não obstante, inclusive seu povo e culturas.

            Os ataques hostis são muito frequentes em nosso país, devido ao Ódio e a Intolerância Religiosa, entretanto são poucos aqueles que repercutem na mídia, como o caso da Justiça Federal do Rio de Janeiro  em 2014, que desclassificava as religiões de matriz africana como religiões de fato, ou mesmo, o caso da Menina Kailane de 11 anos que ganhou notoriedade por ter sido apedrejada em 2015, por estar trajada nos confortes da tradição candomblecista (ela não se ‘portava’ de maneira correta?). Ou ainda o caso, no Rio de Janeiro, no ano de 2014, do estudante que foi impedido de entrar na escola, devido as paramentas religiosas que deveriam ser utilizadas por ele por ser uma época ritual. Neste caso, inclusive a mãe do garoto, Sra. Rita de Cassia Araújo, recebeu o pedido de desculpas formais do prefeito da cidade.

            Preconceito Religioso, Intolerância religiosa, são monstros alimentados diariamente e pessoas morrem, pessoas perdem seus empregos, pessoas perdem sua dignidade e mesmo identidades. A ponto de terem, muitas vezes, de omitir sua fé.

            Diferente de seu pensamento, Sra. Patrícia Abravanel e demais correligionários (que pensam de maneira semelhante), o objetivo das pessoas (porque somos todos diferentes um do outro) não se restringe às conquistas financeiras, conhecemos pessoas muito bem-sucedidas que foram e são extremamente infelizes, que se suicidaram, ou que doaram tudo e foram viver em monastérios, ou ainda que surtaram... Não devemos avaliar o ser humano pelo que ele tem, mas pelo que ele é, em sua integralidade.  Outra questão de sua fala é associar fé com racionalidade, dois termos muito complicados de serem trabalhados, para uma pessoa com limitação intelectual. No caso a fé americana é Fé, em suas palavras, e a fé africana é misticismo! Interessante colocação, porém, falaciosa. Eu poderia analisar muitas outras questões desse discurso, entretanto o tempo é escasso.

            Não nos tornemos antropólogos de botequim, cabe a nós, todos os dias análises críticas acerca do que falamos e transmitimos afinal, de alguma forma, todos somos formadores de opinião, principalmente aqueles que possuem acessos às mídias gerais que dispersam aquilo que dizemos e fazemos. Quando falamos de fé, o assunto complica ainda mais, pois mexe com a questão mais intrínseca aos seres, que é a identidade. A África não é um continente homogêneo, lá há cristãos, muçulmanos, tribos das mais diferentes possíveis e religiões mais variadas também. Os problemas ATUAIS africanos, todos, são oriundos da dominação cristã. Pois, em nome do Cristo, matou-se, roubou-se e escravizou-se. A miséria daquele local se deu e se dá, Sra. Abravanel, graças à sua religião, não à minha. Assim, todas as vezes, que abrir a boca para falar da religião de matriz africana, lembre-se que a estrutura do preconceito religioso, se respalda na estrutura do preconceito racial.



Tatto Barros





terça-feira, 19 de abril de 2016

E AGORA? ONDE?



EM QUE CASA DEVEMOS NOS INICIAR?


     
      O candomblé é uma das religiões mais fascinantes que existem, do ponto de vista iniciático, aos nos iniciarmos no 'mistério do mariô', a cada ano, obrigação e função (a labuta religiosa propriamente dita) o conhecimento aumenta, a aprendizagem se dá e a sabedoria é construída. A religião é uma congregação de segredos que são aprendidos e passados, de acordo com o merecimento e a participação no Espaço Religioso.
     A sabedoria é passada pela Oralidade e presença, valorizando assim os conhecimentos dos ancestrais e respeitando os dogmas e doutrinas que a tradição possui. Há, dessa forma, Casas Matrizes, que zelam pela sabedoria e conhecimento do Axé. Isto é, cada Casa de Candomblé tem, por obrigação estar perto intelectualmente e ritualisticamente dos fundamentos e ensinamentos das casas originais ( Casa Branca do Engenho Velho, Gantois e Afonjá).
      As Casas Matrizes, por meio de seus fundadores, teceram seus ideais e rituais, seguindo as cidades e tribos originais na África  (naquela época, que hoje já não existem mais). O conhecimento do Povo de Abeokutá, por exemplo, se destinou ao Gantois, fazendo com que esta casa seja referência nos Orixás que descendem desse lugar e no sistema ritualístico que era próprio dessa cidade na época.
     Quando uma Casa Descendente honra os fundamentos e aprendizados de sua Casa Matriz, ela simplesmente honra o Candomblé como um todo e evita que este morra, em pobreza intelectual, pois honrando a bandeira do axé, esta casa não criará um sistema próprio, evitando segmentações religiosas que podem culminar em facções cujo conhecimento se faz perdido.
      Nesse ponto de vista, a Internet e as tecnologias não cooperaram com a religião de tradição oral, pois criou verdades míticas e não reais, que são seguidas intensamente por casas que não tem orientação nenhuma e, nem tampouco, conhecimento mínimo obtido de suas casas matrizes. Itans, doutrinas e dogmas estão dispostos aos montes no mundo virtual, desvirtuando a religião e seus princípios da linha de sua verdade. Casas são abertas aos montes sem a mínima condição de propiciar conhecimento básico aos seus iniciados. 
      Em que casa devemos nos iniciar? A resposta é simples, porém deve ser acrescida de várias condições muito particulares. Devemos nos iniciar em uma casa que toque nosso coração, que nos enriqueça de conhecimento, pois, nas palavras de um Grande Babalorixá Pai Xáxa de Jagun, filho da Enciclopédia do Candomblé, a mais reverenciada e respeitada, Mãe Cidália de Iroko (que por sua vez, é filha da maior Yalorixá de todos os tempos, Mãe Menininha do Gantois):

CANDOMBLÉ SÓ É BOM E CERTO, SE FIZER SENTIDO!
SE NÃO FAZ SENTIDO, ESTÁ ERRADO!
O TEMPO DE IYAWO É PARA APRENDER TUDO, NO AFÃ DE SER UM EGBON MI DE CONHECIMENTO E PREPARADO.

      É constante, nas conversas de axé, verdadeiras aplicações que respeitam a oralidade, ouvirmos:  "Na minha tribo!" e isso é respeitar os fundamentos da família de axé que segue, respeitar a Origem! Afinal, se a origem não é importante, como valorizar a ancestralidade? Qual o motivo de chamar o nome dos personagens do passado? Basta pensarmos que qualquer um de nós depois de mortos, só gostaríamos de ser chamados para algo que concordamos! Certo?! Isso sim faz sentido. Nosso dever escolher Casas que nos ofertam conhecimento e respeito aos cultos Ancestrais. Escolher Babalorixás e Yalorixás que não são meras molduras de parede mas, referências de axé e pessoas respeitadas por todos, inclusive pelas Casas Matrizes, que são a fonte da religião. Muito frequentemente, ouvimos sacerdotes dizerem que nas suas casas fazem as regras que quiserem, ou ainda percebemos que Iniciam uma pessoa no Orixá, seguindo uma mesma receita de bolo. Isso empobrece e mata a religião aos poucos.
     Há que se saber o que reza, o que canta, a quem adora, quais os fundamentos e doutrinas da religião. Fora de tudo isso, são noites acordadas e dias gastos em vão. Religião é riqueza de detalhe, orientação e fundamento válido, para que as transformações pessoais e coletivas sejam feitas e a fé enriquecida!

    
TATTO BARROS